Número recorde de 2024, impulsionado por 10,7% de aumento de exportações para os EUA em dezembro, também é visto como estratégia chinesa para “antecipar” possível elevação de 60% das tarifas dos seus produtos pelos EUA
A China obteve um superávit comercial global recorde de US$ 1 trilhão em 2024, um dado surpreendente, que deve fortalecer a intenção do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, que toma posse na próxima semana, de elevar as tarifas de importações chinesas em até 60% para combater a “concorrência desleal” do país asiático, com sua política de exportações em massa.
Segundo a Administração Geral de Alfândegas da China, que anunciou na última segunda-feira, 13, o resultado da balança comercial do país, a China exportou US$ 3,58 trilhões em bens e serviços no último ano, enquanto importou US$ 2,59 trilhões.
O superávit de quase US$ 990 bilhões quebrou o recorde anterior chinês, de US$ 838 bilhões, em 2022. Ajustado pela inflação, o superávit comercial da China do último ano excedeu – e de longe – o de qualquer outro no mundo desde o século passado, mesmo os de potências exportadoras como Alemanha, Japão ou EUA.
A China produz cerca de um terço dos manufaturados do mundo, segundo a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial. Isso é mais do que a soma dos EUA, Japão, Alemanha, Coreia do Sul e Grã-Bretanha.
Em outubro, a União Europeia impôs tarifas de até 45% sobre veículos elétricos fabricados na China, dizendo que os fabricantes se beneficiaram de subsídios injustos. O governo Joe Biden também decretou, no último ano, uma tarifa de 100% sobre os EVs chineses, além de duplicar as tarifas sobre painéis solares e triplicar as taxas sobre certos produtos de aço e alumínio.
Mesmo assim, as exportações chinesas para os EUA (responsáveis por um terço do superávit comercial chinês em 2024) cresceram 6,9% no último ano.
Isso também ajudaria a explicar superávit chinês global de US$ 104,8 bilhões em dezembro, empurrado pelo aumento de 10,7% de exportações para os EUA, suscitando a suspeita de que o governo chinês quis antecipar o envio de produtos às pressas para os EUA antes que Trump pudesse assumir o cargo e começar a aumentar as tarifas, no novo capítulo da guerra comercial entre os dois países.
Esses US$ 104,8 bilhões do superávit chinês de dezembro, também são recordes em um único mês. A título de comparação, o valor é maior que o recorde de superávit de um ano inteiro já registrado pela balança comercial brasileira, que foi de US$ 98,9 bilhões em 2023.
Erro e risco
O embaixador dos EUA na China, disse que a China está cometendo um grave erro ao produzir duas a três vezes a demanda doméstica em várias áreas.
A atual estratégia iniciou há duas décadas, quando o país asiático buscou a autossuficiência industrial por meio de sua política, denominada Made in China 2025 – para o qual o governo injetou US$ 300 bilhões para promover a manufatura avançada.
Os efeitos são visíveis: enquanto as importações de produtos industriais da China desaceleraram drasticamente, as exportações deram um salto nos últimos anos.
As exportações chinesas de tudo, de carros a painéis solares, têm sido uma banança econômica para o país, criando milhões de empregos não apenas para trabalhadores de fábricas, cujos salários ajustados pela inflação quase dobraram na última década, mas também para engenheiros, designers e cientistas de alta renda.
A estratégia de massificar as exportações, porém, agora enfrenta outros riscos, além da ameaça de sobretarifas de Trump. As fábricas estão lutando para lidar com o excesso de capacidade e a demanda interna fraca, o que está desorganizando a economia chinesa.
A inflação chinesa está bem abaixo do nível de 2% anuais, que a maioria dos bancos centrais considera saudável para suas economias – foi de apenas 0,2% em novembro em relação ao ano anterior, em comparação com o aumento de 2,7% nos EUA.
O baixo consumo interno contribuiu para dois anos de queda dos preços dos produtos manufaturados, esmagando as margens de lucro das empresas e empurrando muitas delas para o vermelho.
Com isso, sob ameaça de deflação, as empresas chinesas estão em situação pior para lidar com o aumento das tarifas do que há meia década, quando Trump exigiu a China pela primeira vez com sobretaxas de importação.
Economistas dizem que um aumento acentuado nas tarifas sobre as exportações para os EUA poderia causar um impacto no Produto Interno Bruto (PIB) chinês no ano seguinte à sua imposição entre 0,5% e 2,5%, dependendo da resposta chinesa. O governo chinês espera um crescimento PIB de 5% em 2025.