Número de homens que não aceitam o fim do relacionamento e atacam mulheres e filhos é uma epidemia moderna
A noite de domingo, 23 de março, foi trágica em Nova Alvorada, porém poderia ter sido ainda mais trágica se a intenção de Jean Borges da Silva, 38 anos, tivesse se concretizado na íntegra.
Silva, por volta das 23h, esperou que sua ex-companheira, Lucila Tonet, 39 anos, com quem tem um filho de oito anos, retornasse para casa, na Linha Borelli, interior do município, e a surpreendeu, atirando com uma espingarda calibre 12 no seu abdômen e, mais tarde, tudo indica que fez outro disparo contra si mesmo. O saldo de tanta violência foi a morte do agressor e o ferimento grave da vítima, encaminhada para um hospital de Passo Fundo, permanecendo em recuperação até o fechamento desta edição.
Lucila, já baleada, ainda conseguiu acionar a Brigada Militar, sendo socorrida por vizinhos. O serviço de atendimento de urgência encaminhou-a, inicialmente, para o hospital local. Quanto a ele, foi encontrado mais tarde, numa propriedade no interior do município, baleado e morto.
Denúncia anterior
O casal, atualmente, estava separado; em janeiro, Lucila chegou a denunciá-lo na Polícia por ameaças, justificando que não estaria aceitando a separação. Na ocasião, ela relatou ameaças e agressões do então ex-companheiro, segundo o delegado que está atuando no caso, Tiago Albuquerque, da Polícia Civil de Guaporé, porém a vítima não solicitou medida protetiva, entendendo que não havia necessidade.
Nos próximos dias, a Polícia dará sequência às investigações, segundo o policial. Testemunhas e familiares serão ouvidos como testemunhas do caso.
Ameaças e ajuda
Luana Cristina Mario, inspetora da Polícia Civil de Nova Alvorada, explana sobre o assunto, aconselhando as mulheres que estão submetidas à violência doméstica que procurem ajuda da polícia. Ela também destaca que o que chega ao conhecimento dos órgãos policiais é um número muito pequeno perto do que realmente acontece nos lares e famílias, de modo geral. “É compreensível como as mulheres se sentem quando estão passando por essas situações dentro de casa, sendo preciso que elas, inicialmente, procurem o apoio de um familiar, de uma amiga, se precisarem, e depois procurem a Polícia para podermos intervir e que não aconteça como neste final de semana”, referindo-se à tentativa de homicídio com o subsequente suicídio.
Dentro do que a lei considera como violência doméstica, além das “vias de fato”, considera-se as ameaças, palavras, controle do celular, das redes sociais, entre outras situações. “Não são só agressões físicas”, destaca a policial.
Crimes chocantes
A violência contra a mulher tem crescido exponencialmente e com o agravante, o aumento de casos de pais que matam os filhos para atingir a ex-companheira. São casos absurdos, envenenados, acidentes de carro, jogados de pontes. Pela lei que ampara o genitor, ele tem direito a ter contato com o filho e são nesses momentos em que aproveitam para cometer um crime hediondo.
Quem comete crimes assim?
É muito difícil descrever o perfil de quem comete esse tipo de atrocidade. Amigos de Jean Lima, manifestaram-se em suas redes sociais, declarando luto e solidariedade a família. “Sempre lembraremos desse seu sorriso Dentinho, descanse em paz”, é um exemplo do que se encontrou nas redes.
Jean era motorista concursado e atuava na Secretaria de Educação de Ilópolis, a qual também declarou luto oficial pela perda do colaborador.
Um ato de covardia
Um vizinho do casal, que prefere não ter sua identidade revelada, falou que “Jean se descontrolou após saber que a ex-companheira esteve em um baile no município de Vila Maria”. outro afirma que ele falou ao seu pai que mataria Lucila no domingo a noite.
Amigos rezam por sua recuperação
Lucila segue internada no Hospital São Vicente de Paulo, em Passo Fundo, desde a noite do atentado, quando passou cirurgia, onde conseguiram estancar bem a hemorragia do fígado, tiraram um pedaço do intestino. A notícia é que ela está estável e em recuperação desde a noite de quarta-feira, 26. Os amigos e familiares rezam por sua recuperação.
Mês de março traz reflexão e discussão
A psicóloga clínica Géssica Zardo, que trabalha em Camargo e Marau, além de já ter atuado também no Centro de Atendimento à Mulher de Marau, destaca a importância da Lei Maria da Penha nesse contexto, sancionada em 2006 e considerada um marco na proteção às mulheres. “Apesar de muitas pessoas julgarem a Lei como ineficaz, muitas vidas foram e continuam sendo salvas e protegidas através dela, sendo considerada uma das Leis mais avançadas no mundo. O que ainda é ineficiente é a conscientização por parte das pessoas; são os indivíduos que não respeitam os limites, as leis”.
A psicóloga segue explicando o que é, na prática, considerado como violência doméstica. “Quando falamos de violência doméstica, muitas pessoas pensam em violência física, mas a violência é muito ampla. Conforme a Lei Maria da Penha, os atos podem ser classificados em cinco tipos de violência: física, moral, sexual, patrimonial e psicológica. Em muitos casos, ambas acontecem simultaneamente.
Ciclo da violência doméstica
“É comum que muitos dos atos violentos sejam negligenciados, visto que inicialmente a violência não é escancarada, a proporção é mais sutil, configurando o ciclo da violência doméstica, que apresenta três fases: aumento da tensão, ato de violência e lua de mel ou arrependimento e comportamento carinhoso. Como é um ciclo, assim que ele acaba, a primeira fase retorna, se a mulher não buscar ajuda ou não tomar nenhuma atitude para estancá-lo”, relata a profissional.
Outro fator que ainda não recebe a relevância necessária é a avaliação de risco, conforme segue explicando Géssica. “Existem critérios que podem dar a dimensão do risco da violência ocorrer, seja desde a violência psicológica até o feminicídio, como: conflitos interpessoais, violência anterior com outra parceira, uso abusivo de drogas/álcool, percepção sobre violência, história criminal, separação e início de novo relacionamento, descumprimento de medida protetiva, comportamentos violentos, impulsividade, ameaças e possuir arma de fogo”.
Todos são responsáveis
Ela ainda faz uma reflexão: “somos todos responsáveis por defender a igualdade de gênero, nos mais variados ambientes. Quando presenciamos uma situação e nos omitimos, optamos por ‘não meter a colher na briga de marido e mulher’ estamos compactuando com a situação. Trata-se de um tema muito sério, que precisa ter relevância e não ser banalizado com críticas, descumprimento e denúncias falsas”.