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Movimento defende adiar o acesso a celulares e redes sociais

Grupo de mães de São Paulo, se uniu para reduzir o uso precoce e excessivo dos dispositivos por crianças e adolescentes. Elas também defendem que a entrada nas redes sociais ocorra apenas aos 16 anos. Especialistas dizem que não há uma idade “correta” para liberar a tecnologia

“A infância e a adolescência são muito curtas para serem vividas em um smartphone” é o slogan do Movimento Desconecta, iniciativa contra o uso precoce e excessivo de celulares e redes sociais. A organização defende o acesso a smartphones a partir dos 14 anos e redes sociais aos 16. A ideia surgiu de um ciclo vivido em uma escola de São Paulo (SP): pais davam os aparelhos aos filhos para que eles não fossem os únicos sem o dispositivo.

Interferências no desenvolvimento cerebral

A doutora em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Erica Franceschini, fala sobre o movimento. “Penso que o movimento atenta especialmente para o excesso com que as crianças têm sido expostas às telas desde tenra idade. Muitas vezes, são os cuidadores que elegem ofertar o smartphone e/ou o tablet para o entretenimento do bebê, antes mesmo que a própria criança possa decidir qual recurso gostaria de utilizar para a brincadeira. O brincar é essencial na infância, sendo imprescindível para o desenvolvimento emocional, cognitivo, social e físico das crianças; diante disso, o movimento parece coadunar com esse princípio. Em relação a este movimento, compreendo que não é preciso ter uma rigidez quanto à exposição às telas, afinal, elas estão em todos os lugares, mas é preciso que os cuidadores trabalhem com flexibilidade, impondo limites e regras bem estabelecidas quanto ao uso de smartphones, momento determinado e tempo limitado de uso para a criança. O acesso às redes sociais também precisa ser avaliado, conforme a maturidade daquela criança/adolescente para acessar o âmbito virtual, orientando sobre modos de exposição e condutas que podem levar a sofrimento, tais como o cyberbullying”.

Sobre o excesso do uso de telas por crianças, amplas pesquisas mostram seus efeitos. Erica relata o que dizem tais estudos. “Há inúmeras pesquisas científicas realizadas no exterior e no Brasil que identificam fatores que afetam o desenvolvimento infantil relacionadas ao uso excessivo de smartphones. A própria pesquisa de Tom Haidt publicada no livro “A geração ansiosa: como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais” que é a base do Movimento Desconecta, atenta sobre a ansiedade como um sintoma recorrente diante do uso abusivo de telas. Temos, ainda, transtornos relacionados como a depressão, a adição em jogos, entre outras sintomatologias como o próprio isolamento social, o que impede o desenvolvimento social das crianças e a constituição de sua identidade e regulação emocional. Em função das redes sociais oferecerem um mundo pronto, vemos adolescentes cada vez mais frustrados, expostos à imposição de corpos e/ou realidades muito afastadas de seu contexto de vida, perpetuando um ideal de sujeito inalcançável. Além disso, a neuropsicologia atenta sobre possíveis interferências no desenvolvimento cerebral de crianças e adolescentes, uma vez que muitas funções executivas não são desenvolvidas, o que gera dificuldade de desenvolvimento das habilidades sociais, especialmente, danos na comunicação, relacionamentos interpessoais e tomada de decisões.

Quais as alternativas e sugestões para os pais restringirem o uso?

A profissional da saúde mental, indica caminhos que os pais/cuidadores podem seguir no desafio de limitar o uso de telas. “É difícil restringir o acesso 100% em relação a telas, mas é imprescindível que cada família estabeleça acordos e regras em que as próprias crianças participem da construção. Conversar e apresentar as possibilidades de uso, tempo, momento, ajustes na rotina, são extremamente necessários para que a criança mesma aprenda a regular-se. Falo de uma construção conjunta destas regras, pois a imposição destas, não surte o mesmo efeito, em alguns casos, gerando insatisfação e revolta na relação parental. Estabelecer um diálogo democrático é o caminho mais assertivo, assim como, os próprios cuidadores precisam regular-se, controlar o tempo de telas, oferecer tempo de qualidade e brincadeiras em família, conectar-se com a natureza e outros espaços de lazer, enfim, construir uma dinâmica na qual os momentos conjuntos não sejam resumidos a ficar diante do celular ou navegando em redes sociais; e isso começa, sem dúvida, com o exemplo que damos às nossas crianças e adolescentes. Uma sugestão para a convivência de qualidade é criar momentos ‘especiais’ em família, por exemplo: o dia de cozinhar juntos, passear no parquinho, colher flores, festa do pijama, etc, o que também não precisa seguir uma rigidez. Assim, a criança já tem estabelecido na rotina seu momento de lazer e sabe quais são os combinados relacionados a eles. Nesse âmbito, é interessante oferecer um momento no qual a própria criança possa escolher uma atividade para ser realizada junto aos cuidadores, possibilitando o desenvolvimento de autonomia e tomada de decisões”.

Qual a idade mais apropriada?

Conforme a psicóloga, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), recomenda que o acesso a telas inicie somente após a criança completar 2 anos, isso porque smartphones e tablets oferecem hiper estímulos que podem interferir no desenvolvimento cerebral da criança, bem como, estimular um ritmo de vida que leva a um comportamento percebido como o de uma criança com TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade). Após completar 2 anos, a SBP determina que o uso deve ser limitado e supervisionado pelos cuidadores e segue uma norma de uso gradual conforme cada idade. “Reforço que essa é uma recomendação que cada genitor deve avaliar particularmente como fará esse controle e o que consegue evitar ou não, dependendo do contexto no qual a família vive. Nesse sentido, identifico a importância mais uma vez de estabelecer combinados que sejam levados a sério pelas famílias, entendendo o acesso a telas como um dos recursos a ser oferecido para as crianças e não o único possível”. Complementa, chamando a atenção para que as famílias levem muito a sério essa questão em relação às crianças e seu futuro.

Reflexos na sala de aula

Nessa mesma perspectiva, temos o entendimento da professora Tatiana Guerra Bedin, 44 anos, e, há 23 anos, atuando como professora alfabetizadora na Escola Municipal Cívico-Militar de Ensino Fundamental Orestes de Britto Scheffer. Ela relata o que percebe no dia a dia da sala de aula. “Já estamos nos deparando com crianças totalmente dependentes das telas, o que já vem refletindo em sala de aula, pois estamos cada vez mais em contato com alunos com déficit de atenção, aumento de impulsividade, diminuição da habilidade de regular suas próprias emoções e dentre outros distúrbios de aprendizado, muito presentes em nosso dia a dia de trabalho. Neste contexto, eu, como professora, vejo que o celular nesta idade escolar é um aparelho que dificulta a relação ensino-aprendizagem, visto que atrapalha e atrasa a vida dos pequenos num todo”, destaca a professora.

A luta contra as telas

Marina de Lima, 30 anos, é mãe das gêmeas Maria Cecília e Maria Helena, de dois anos. A rotina da família não inclui tela para as meninas em nenhum momento do dia. A mãe explica quando foi tomada a decisão com o esposo João. “Íamos aos restaurantes almoçar e víamos as crianças e os pais, em sua maioria, no celular e achávamos isso ruim. Então, decidimos criar nossas filhas como fomos criados e nós não tínhamos essas tecnologias que temos hoje. Só tivemos acesso após adultos, quando começamos a trabalhar e pudemos comprar os aparelhos. Então, decidimos que, quanto mais pudermos adiar e segurar o acesso delas às telas, melhor”.

Marina ressalta que não julga os pais que têm outro entendimento porque compreendem as diferentes situações, e que sabe que as telas têm coisas boas e positivas, que temos que ter contato com as tecnologias, mas que tudo tem um tempo. “Elas fizeram dois anos nessa semana e nunca precisamos dar uma tela para elas comerem, por exemplo”, argumenta.

O dia a dia das “Marias”, como são carinhosamente chamadas pela família, é feito de ouvir músicas, brincar lá fora, experimentar coisas diferentes, ver, ouvir e tocar. “Elas não se prendem a uma tela, não são crianças agitadas, são calmas, mesmo sendo duas juntas, e achamos que isso tem a ver com o distanciamento delas das telas. A meu ver, a cabeça das crianças não consegue acompanhar tudo o que acontece no celular e confunde”, argumenta.

A ideia é liberar aos poucos as telas às gêmeas, com o tempo, conforme a necessidade. Marina também comenta que é comum ouvirem comentários de que as filhas “ficarão para trás. Mas nós não pensamos assim e vamos seguir dessa forma por enquanto”, finaliza.

Tatiana, percebe os efeitos do uso excessivo das telas em seus alunos. Arquivo pessoal
As gêmeas, filhas de Marina, terão acesso gradual e controlado às telas

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