Confesso, desde logo, o desconforto que sinto em comentar o que está sendo proposto na reforma da previdência, quando ela trata do regime próprio de previdência social do servidor público, pois as inconstitucionalidades são tantas, a tal ponto de tornar o debate constrangedor.
É preciso, de início, diferenciar a discussão sobre a necessidade de rever (ou reformar) o modelo utilizado para o regime de previdência do servidor público da pretensão de, com o argumento de fortalecê-lo, avançar sobre os princípios e as normas constitucionais. Seria mais correto, por parte do governo federal, diante do que ele apresenta, propor a extinção da previdência própria do servidor, adotando-se o regime geral como único sistema público de previdência, com teto de valor de benefício, abrindo a alternativa de adesão ao sistema de capitalização, na modalidade de contribuição definida, administrado pela iniciativa privada.
A impressão que fica, da reforma da previdência do servidor público, é a de que o governo federal quer terminar com o regime próprio, mas não quer o desgaste e a autoria direta da medida. É algo semelhante à história de alguém que não quer mais o relacionamento que mantém com outra pessoa, mas não tem coragem para falar isso de forma direta, então resolve complicar, complicar… esperando, então, que o outro tome uma atitude.
Também é necessário assinalar que, além de conter vários pontos que colidem com a Constituição Federal, o texto da reforma da previdência, no todo, mas em especial na parte dedicada à aposentadoria do servidor público, é confuso, impreciso, obscuro e muito distante das normas da técnica legislativa, o que dificulta (e em alguns momentos inviabiliza) a compreensão econômica, jurídica e social do que se prepõe.
Um ponto que seguramente será questionado no Supremo Tribunal Federal, caso a reforma da previdência seja aprovada, na forma como é apresentada ao Congresso Nacional, é o da contribuição do servidor que, além da ordinária, poderá também ter o acréscimo de uma segunda contribuição considerada extraordinária. A alíquota ordinária, para falar apenas dela, poderá chegar a 22% para os servidores com remuneração maior.
É importante lembrar que o STF, ainda em 1999, utilizou o termo “confisco” para indicar a inconstitucionalidade do aumento de contribuição previdenciária proposta pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, de cobrar alíquotas maiores dos servidores públicos. A maioria dos ministros do Supremo, na época, entendeu que a carga tributária não poderia ser tão alta porque a categoria, por sua remuneração, ainda estava sujeita a maior alíquota do Imposto de Renda, de 27,5%. Se considerarmos o que está proposto, alguns servidores, somando apenas as alíquotas de contribuição previdenciária ordinária e de imposto de renda terão desconto, em folha, de 47,5% de sua remuneração. Como não considerar essa medida um “confisco”?
Mas o aumento de alíquota de contribuição previdenciária “ordinária”, se aprovada a reforma da previdência, não será somente para os servidores com remuneração maior, pois quem recebe a partir de R$ 2.000,01 até R$ 3.000,00, de 11% a contribuição irá para 12%; quem recebe de R$ 3.000,01 até R$ 5.838,45 (valor-teto do RGPS), a contribuição de 11% irá para 14%; quem recebe de R$ 5.838,46 até R$ 10.000,00, a contribuição irá de 11% para 14,5%; quem recebe de R$ 10.000,01 a R$ 20.000,00, a contribuição de 11% irá para 16,5%; quem recebe de 20.000,01 a R$ 39.000,00, a contribuição de 11% irá para 19%; e quem recebe mais do que R$ 39.000,01, a contribuição de 11% irá para 22%.
É possível discutir o estabelecimento da premissa de que quem ganha mais contribui com alíquota maior e quem ganha menos contribui com alíquota menor, nos moldes do imposto de renda de pessoa física, mas nos termos em que a reforma é apresentada, o argumento é derrubado pela configuração da hipótese de confisco, o que constitucionalmente não é admitido.
Sobre inconstitucionalidade, esta é insuperável: o texto apresentado determina que, promulgada a mudança na Previdência, os servidores de todos os Poderes dos estados, do Distrito Federal e dos municípios passarão a pagar, provisoriamente, uma alíquota previdenciária de 14%. Os entes federados terão até 180 dias para elaborar uma tabela escalonada, caso contrário a alíquota será mantida, independente de lei, em 14%.
Texto de: André Leandro Barbi de Souza