Levantamento apresentou dados importantes sobre o município
A Irmã Neide Lamperti, Missionária Scalabriniana, natural de Anta Gorda, é mestre em Migração Internacional pela Pontifícia Universidade de Comillas, da Espanha.
Há 14 anos é missionária na África. Nos últimos 11 anos trabalhou em Angola, país africano, na Conferência dos Bispos, a nível nacional com migrantes e refugiados.
Nesse momento, a Irmã está na sua terra natal e em abril, regressa à Africa do Sul para trabalhar na Conferência dos Bispos Católicos, no serviço a migrantes e refugiados.
A pesquisa que realizou para o mestrado, levantou dados completos e o mapeamento da migração no município de Anta Gorda e região, conhecida como Encosta Superior do Nordeste.
Segundo o que consta na tese da mestre, que passamos a descrever a seguir, a escassez de mão de obra, especialmente em algumas empresas, agroindústrias, indústrias, agricultura, avicultura, cultivo da erva-mate e produção leiteira de Anta Gorda, representa um desafio significativo para o crescimento econômico da região. A falta de trabalhadores qualificados pode restringir o potencial de expansão desses setores e a produção agrícola, o que tem levado a um aumento significativo na presença de imigrantes na cidade nos últimos tempos.
Importância do mapeamento
Compreender a realidade migratória desempenha um papel essencial na promoção da integração dos migrantes na comunidade local, na identificação de suas necessidades de saúde e na formulação de políticas de imigração. Isso contribui não apenas para o bem-estar e a coesão social em Anta Gorda, mas também facilita a integração cultural, social e religiosa, promovendo a compreensão mútua.
A coleta dos dados, feita através de formulários específicos, teve a duração de 3 meses (20 de setembro a 15 de novembro de 2023) e foi conduzida por uma equipe composta por líderes das capelas católicas locais, representantes de empresas e agroindústrias, agentes municipais de saúde, professores de escolas, agências bancárias, lojas, hospital, além de algumas pessoas voluntárias.
Após este processo, identificou-se 10 migrantes, provenientes de diferentes locais (nacionais e internacionais) para realizar uma entrevista em profundidade, com a finalidade de coletar outras informações acerca das motivações da migração, de sua acolhida e integração social, cultural e laboral em Anta Gorda, de interesses culturais e religiosos, sugestões de melhoria para a cidades, entre outros.
Os resultados obtidos com a pesquisa, foram os seguintes:
Número de migrantes identificados
Os dados coletados informaram que Anta Gorda acolhe 570 migrantes. Isto equivale a 9.5% da população total da cidade e provoca um impacto significativo na comunidade local, nos âmbitos culturais, sociais, econômicos e religiosos.
As pessoas que se mudaram para Anta Gorda vêm de diferentes lugares, criando uma comunidade com muitas culturas e aspectos diferentes. Alguns deles migraram das cidades vizinhas a Anta Gorda, contribuindo para a dinâmica regional e mantendo fortes vínculos locais. Outros escolheram Anta Gorda como seu lar provenientes de diversas cidades do Rio Grande do Sul, trazendo consigo uma variedade de experiências e perspectivas.
Anta Gorda é um lugar acolhedor não apenas para migrantes de diferentes estados brasileiros, mas também para aqueles vindos de países vizinhos, como Argentina e Paraguai. A cidade surpreendentemente atrai residentes de locais mais distantes, como o Senegal, destacando sua internacionalização e capacidade de atrair pessoas de diversas partes do mundo. Essa diversidade de origens contribui para uma atmosfera única e vibrante, onde as trocas culturais e a convivência pacífica são características marcantes da comunidade local.
A tabela abaixo apresenta o número de migrantes internacionais e sua proveniência:
Migração Internacional
País | Número de pessoas |
Argentina | 47 |
Paraguay | 61 |
Senegal | 1 |
TOTAL | 109 |
Migração Nacional
Estado – Cidade | Número de pessoas |
Lages – SC | 2 |
Irati – SC | 6 |
Palhoça – SC | 5 |
Dionísio Cerqueira – SC | 6 |
São Bonifácio – SC | 3 |
Ponta Porã – MS | 3 |
Ji Paraná – RO | 2 |
Santa Catarina | 1 |
São Paulo – SP | 6 |
Maranhão | 4 |
Minas Gerais | 3 |
Curitiba – PR | 5 |
TOTAL | 46 |
Migração Regional (Rio Grande do Sul)
Cidades do RS | Número de pessoas | Cidades do RS | Número de pessoas | |
Arvorezinha | 34 | Palmares | 6 | |
Barros Cassal | 4 | Panambi | 2 | |
Bento Gonçalves | 4 | Parobé | 5 | |
Bom Retiro do Sul | 2 | Passo Fundo | 3 | |
Caibaté | 10 | Planalto | 4 | |
Camaquã | 16 | Porto Alegre | 16 | |
Campo Bom | 4 | Progresso | 11 | |
Candelária | 12 | Protásio Alves | 4 | |
Carazinho | 8 | Putinga | 20 | |
Canguçu | 6 | Relvado | 2 | |
Casca | 1 | Rio Grande | 3 | |
Caxias do Sul | 10 | Rosário do Sul | 1 | |
Ciríaco | 1 | Sagrada Família | 5 | |
Dois Irmãos | 1 | Salto do Jacuí | 2 | |
Doutor Ricardo | 5 | Santa Maria | 4 | |
Encantado | 31 | Santa Cruz do Sul | 3 | |
Estrela | 7 | Santa Rosa | 2 | |
Farroupilha | 13 | Santana do Livramento | 1 | |
Gaurama | 1 | Santo Angelo | 1 | |
Gramado Xavier | 5 | São Leopoldo | 3 | |
Guaporé | 25 | São Luiz Gonzaga | 3 | |
Ilópolis | 25 | São Valentin do Sul | 6 | |
Itapuca | 3 | Sapiranga | 4 | |
Itaqui | 4 | Sapucaia do Sul | 5 | |
Lagoa Vermelha | 2 | Segredo | 1 | |
Lajeado | 3 | Serafina Correa | 6 | |
Marau | 4 | Sobradinho | 4 | |
Muçum | 15 | Soledade | 12 | |
Nonoai | 4 | Tapejara | 3 | |
Nova Araça | 1 | Terra de Areia | 4 | |
Nova Brescia | 1 | Teutônia | 3 | |
Nova Santa Rita | 2 | Vila Sério | 2 | |
TOTAL: 445 |
Os números apresentados durante o cadastramento de migrantes indicam que a maioria escolheu migrar acompanhada de suas famílias, tanto em contextos internacionais, como no caso de argentinos e paraguaios, ou de nacionais ou regionais. Essa tendência reflete a importância dos laços familiares no fenômeno migratório. A decisão de migrar em grupo pode ser motivada por busca de melhores condições de vida e oportunidades econômicas.
A presença de famílias inteiras impacta não apenas a dinâmica social e cultural da comunidade antagordense, mas também influencia a formação de redes de apoio e a integração dos migrantes. Contudo, essa escolha apresenta desafios específicos, como a adaptação conjunta a um novo ambiente e a construção de uma identidade em meio a desconhecido.
Há quanto tempo vivem em Anta Gorda?
Entre as pessoas cadastradas como migrantes, algumas estão na cidade há bastante tempo, enquanto outras chegaram mais recentemente. É importante destacar que, nos últimos dez anos, houve um aumento significativo no número de pessoas se mudando para a cidade de Anta Gorda.
Um grande número de migrantes em Anta Gorda tem 20 anos ou mais, destacando a presença significativa de casais no fluxo migratório. Dos 570 migrantes registrados, 362 pessoas, o equivalente a 63,5%, optaram por se estabelecer na cidade em um período inferior a 5 anos. Esse fenômeno aponta para uma mudança recente no padrão migratório da região, sugerindo que Anta Gorda, nos últimos anos, tornou-se um destino atrativo da população migrante. O influxo expressivo de novos residentes em um curto intervalo de tempo ressalta a dinâmica em evolução da cidade e as razões que podem estar impulsionando essa migração acelerada.
Motivos da migração e setor laboral
É evidente a motivação primária que impulsiona os migrantes a buscar Anta Gorda: porque a cidade oferece um ambiente tranquilo e, ao mesmo tempo, apresenta uma demanda significativa por mão de obra em várias áreas. A segurança de encontrar emprego é um fator determinante, uma vez que a cidade oferece muitas oportunidades de trabalho e há escassez de trabalhadores disponíveis.
Na tabela a seguir, estão listados os diversos tipos de empregos nos quais os migrantes estão envolvidos. Essa dinâmica destaca a interconexão entre a necessidade de força de trabalho e a escolha dos migrantes de se estabelecerem em Anta Gorda, criando um cenário favorável para ambos: a comunidade receptora e os migrantes em busca de oportunidades de emprego.
Setor Laboral | Número de pessoas |
Agricultura: milho, fumo, etc | 145 |
Pecuária (Produção leiteira) | 35 |
Avicultura | 14 |
Suinocultura | 5 |
Segurança (Pública e privada) | 5 |
Saúde: médicos, enfermeiras, cuidadores, psicólogos, farmacêuticos, técnicos, massagista, etc. | 15 |
Cultivo e colheitas: erva mate, laranja e noz pecã | 35 |
Diaristas, motoristas e lenhadores | 42 |
Profissionais: veterinários, engenheiros, contabilistas, laboratoristas | 11 |
Comércio: lojas, vendas de produtos agrícolas, tele-vendas, etc | 48 |
Indústrias: lacticínios, frigoríficos, calçadistas, têxtil (bombachas, lingeries), móveis. | 119 |
Mecânica | 4 |
Serviços religiosos: diferentes Igrejas | 8 |
Educação: estudantes e professores | 23 |
Construção: Pedreiros, pintores | 9 |
Serviços gerais: limpezas de pátio, de ruas, jardinagem | 23 |
Função pública | 5 |
Crianças sem idade escolar | 9 |
Autônomos: trabalho não identificado | 15 |
TOTAL | 570 |
No quadro acima, observa-se que a atividade predominante entre os migrantes é nas áreas agrícola e industrial. Isso sugere que Anta Gorda carece de mão de obra tornando-se um dos principais fatores atrativos para a migração. A necessidade de trabalhadores nessas áreas não apenas oferece oportunidades de emprego, mas também mostra o quanto esses setores são importantes para o desenvolvimento socioeconómico da cidade. Setores como saúde, educação, indústria e agricultura desempenham papéis fundamentais na construção de uma comunidade próspera.
Anta Gorda vista pelos migrantes
Após concluir o mapeamento, 10 pessoas de diversas origens, tanto do Brasil quanto de outros países e setores profissionais, foram entrevistadas. As perguntas abordaram temas como identificação, motivações para escolher Anta Gorda como destino, questões relacionadas ao ambiente de trabalho, sustentabilidade pessoal e familiar, integração social, percepções sobre a cidade, áreas de possível melhoria e mudanças significativas em suas vidas após a mudança, entre outros tópicos.
Os dez entrevistados migraram para Anta Gorda em busca de melhores condições de trabalho e oportunidades, alguns também motivados por questões matrimoniais. Entre eles, nove manifestaram a intenção de permanecer na cidade, enquanto apenas uma pessoa mencionou que seu emprego é temporário e “que tudo depende das oportunidades”.
No que diz respeito ao emprego, todos os dez entrevistados estão atualmente empregados. Eles afirmam receber salários justos e pontuais, com seus direitos devidamente assegurados, horários de trabalho estabelecidos e desfrutam de relacionamentos positivos com seus empregadores.
Sentem uma gratidão profunda pela chance de trabalhar nesta cidade, usufruindo dos serviços de saúde, educação e assistência social. Agradecem porque suas vidas experimentaram melhorias significativas desde que chegaram a Anta Gorda. Não apenas encontraram um local acolhedor, mas um verdadeiro lar, repleto de oportunidades de emprego e paz. Expressam alegria por fazerem parte deste ambiente e, de fato, um deles compartilhou: “recomendo a cidade para outros morarem. Aqui, a vida é completa… nem se compara ao lugar de onde vim.”
Cada um dos entrevistados destacou a calorosa recepção que receberam na cidade, ressaltando a solidariedade presente entre os residentes e famílias recém-chegadas. Uma pessoa disse: “desde que eu cheguei aqui, nunca precisei comprar roupas e brinquedos para as crianças, porque sempre ganho muita coisa das vizinhas e amigas. Isto me deixa muito feliz”. Observam uma notável colaboração em várias dimensões, e expressam profunda gratidão pela hospitalidade e pelas relações positivas que encontraram aqui.
Ao perguntar como descrevem a cidade, responderam: “Aqui é um lugar de paz”. “É uma cidade rica”. “É uma cidade bonita, limpa, organizada (…) aqui tem trabalho para todos, é só ter vontade. A cidade oferece oportunidade de crescimento da pessoa”. “Aqui há muita comida, pessoas boas, acolhedoras, há tranquilidade”. “É uma cidade limpa, hospitaleira e bem cuidada”. “Gosto do campo de futebol, a cidade é segura, não é difícil conseguir emprego.” “Aqui é bom porque para trabalhar tudo é perto, não preciso pegar ônibus, posso ir a pé.” “Aqui me sinto segura e confortável. A cidade transmite segurança. Possui as belezas naturais”. “A cidade é pequena, não tem shopping, mas tem muita qualidade de vida, muita tranquilidade”. “Aqui a vida é muito diferente de onde eu vim. É muito melhor aqui. Já não quero voltar pra lá.”
O que poderia ser melhor?
Os entrevistados citaram a necessidade de maior oferta de lazer e educação, principalmente para adolescentes, assim eles poderão dar continuidade às atividades na cidade. Melhorar a educação das pessoas, assim como diminuir a fofoca na cidade, porque todos sabem e falam da vida de todos. Poderiam melhorar os preços dos produtos, roupas, alimentos, produtos agrícolas e construção. Tudo é mais caro do que outras cidades vizinhas. A cidade tem condições de melhorar a infraestrutura e oferecer mais espaços para aluguéis, mercados maiores com muito mais produtos, sem ter que se deslocar a outras cidades e comprar. Deveria ter um lugar chamado “banco de emprego”, assim quando os migrantes chegam na cidade já sabem onde se deslocar para conseguir trabalho e sugestões de aluguel. A prefeitura poderia oferecer mais serviços sociais para os jovens, assim atrai a sua atenção e podem permanecer na cidade e livrar-se das drogas e vícios. Falo de cursos de lideranças, oficinas de formação, teatros, cursos diversos. O atendimento da saúde é bom, mas o hospital poderia ter mais opções de tratamentos e cirurgias, principalmente para partos e cesarianas.
Conclusão
Ao concluir sua pesquisa, a Irmã e mestre Neide declara: “É nosso desejo que as sugestões apresentadas aqui possam ser ponderadas pela administração pública. Essa reflexão poderá contribuir para a contínua construção de uma cidade hospitaleira e íntegra, onde a diversidade de talentos e experiências dos migrantes seja valorizada”.