Durante a Administração interina, o prefeito Jaime Borsatto teria determinado o pagamento da área de terra de L.Z.G para a construção de casas populares
O Ministério Público instaurou, em agosto de 2017, o inquérito civil 00.717.00022 /2017, que, posteriormente, em razão da virtualização dos sistemas internos, recebeu o número 01718.000.041/2020, objetivando apurar irregularidades no procedimento de desapropriação amigável do lote urbano com superfície de 12 mil m², situado na Rua Coronel Martins Pinto, no município de Arvorezinha, para fins de construção de loteamento popular.
Em síntese, a Promotoria de Justiça recebeu cópias da sindicância instaurada através da Portaria nº 7.882, de 25 de maio de 2017, firmada pelo prefeito da época, Rogério Felini Fachinetto, em que foram apuradas as seguintes irregularidades no processo administrativo de desapropriação: inexistência de atendimento às exigências legais e de estudo do impacto financeiro, além da divergência de valores entre o valor repassado ao proprietário do imóvel R$ 345 mil e a avaliação feita durante o processo de sindicância, que era de R$ 298 mil. A gestão posterior, por sua vez, adotou as medidas para evitar o dano ao erário, com a anulação do processo e a devolução do valor pago aos cofres públicos, o que evitou uma reprimenda mais ampla por parte do Ministério Público.
Conforme consta na ação, no entender do MP, os então administradores/investigados, Jaime Talietti Borsatto (atual prefeito) e Luiz Paulo Fontana (ex-prefeito) causaram dano à coletividade quando não foram honestos no seu agir, violando a legalidade e a lealdade às instituições, ao se utilizarem de meios aparentemente “legais” de desapropriação para loteamento urbano, para, na verdade, cumprir promessa de campanha, deixando de observar os regramentos legais para tanto.
E isso o Ministério Público se refere a ambos os investigados, pois Jaime Talietti Borsatto, que na época era presidente da Câmara de Vereadores e acebou exercendo a função de prefeito interino, deu continuidade aos projetos de seu antecessor, como ele mesmo referiu na sua manifestação, encaminhada ao Ministério Público, inclusive as promessas de campanha, agindo com o auxílio do também réu Luiz Paulo Fontana, que sequer fazia parte da Administração Pública, mas participou ativamente dos atos e inclusive reteve documentos pertencentes ao Poder Público.
De acordo com o Ministério Público, o processo de desapropriação foi realizado “a toque de caixa”, pois os denunciados teriam buscado realizar a transferência da escritura pública do imóvel na manhã do dia em que tomaria posse o novo prefeito, ainda que não houvesse tempo hábil para a realização dos atos conforme a lei, com o evidente objetivo de se autopromoverem e evitarem a Administração que estava prestes a assumir, e não a efetiva instalação de casas populares como quiseram deixar transparecer.
Relembre
No dia 30 de março de 2017, o Município de Arvorezinha nomeou mediante a Portaria nº 7651/2017, a Comissão Permanente para avaliação de imóvel, contudo sem precisar qual seria o imóvel objeto de avaliação. Em 7 de abril de 2017, foi publicada a Lei Municipal nº 2824/2017, que autorizava a definição/designação e nomeava área para instalação das casas populares. Na mesma data, foi expedido o Decreto nº 2476/2017, declarando a área descrita na referida lei como de utilidade pública.
Em que pese que a portaria que nomeou a Comissão Permanente para avaliação de imóvel não tenha indicado qual o imóvel seria avaliado, os membros da Comissão procederam a avaliação do imóvel indicado na Lei Municipal nº 2824/2017 e no Decreto nº 2476/2017, na mesma data de 30 de março de 2017. Na data de 10 de abril, o então prefeito interino na época, Jaime Talietti Borsatto, teria solicitado ao setor contábil do município o empenho do valor de R$ 345 mil em pagamento à área desapropriada, o que foi efetivado mediante o empenho nº 1400/2017.
Contudo, o documento é datado de 6 de abril de 2017, sendo que o efetivo pagamento ao proprietário do imóvel, L. Z.G, ocorreu na data de 10 de abril de 2017, conforme demonstra o comprovante de transferência. Neste mesmo dia, 10 de abril, o Município teria encaminhado documentação para fins de transferência do imóvel desapropriado à Serventia do Tabelionato de Imóveis do município de Ilópolis, quando então foi emitida guia informativa de ITBI.
Ainda, conforme termo de qualificação e depoimento, Jaime Talietti Borsatto afirmou que escolheu o terreno, pois este fica ao lado das casas populares do Bairro Scorsatto, além de possuir infraestrutura para construção de novas casas, como luz e água. Contou que C.F., secretária de Administração na época, foi autorizada a fazer a portaria de nomeação da comissão de avaliação, e que os membros foram J.P, A.P, V.G e F. L. P.
Borsatto relatou ainda que o pagamento foi realizado sem a escritura pública por falta da guia do ITBI, eis que foi informado que a escritura ficaria pronta às 14h, mesmo horário que acordou a realização do pagamento com o proprietário do imóvel. Borsatto ainda teria dito que escolheu o Cartório de Ilópolis para registro da escritura por conhecer a funcionária M.T., e por ela ter feito o serviço por valor inferior ao Cartório de Arvorezinha. Ainda, teria dito que o setor de Engenharia era responsável pela guia de ITBI na prefeitura, mas que a mesma viria do cartório.
O que dizem as pessoas ouvidas
M.T., funcionária do Cartório de Ilópolis, disse ter conhecimento da desapropriação feita pelo município, e que solicitou o encaminhamento da guia de ITBI para lavratura da escritura. Questionada acerca da diferença entre desapropriação e compra e venda, ela teria relatado que a compra e venda é geralmente feita entre pessoas físicas, sendo a escritura mais usual, já a desapropriação, como é feita por órgão público, precisa de decreto ou lei, bem como exigências adicionais, quanto ao restante da documentação é igual à da compra e venda.
Ela teria dito ainda que Borsatto nunca havia lhe procurado para tratar do registro da área, mas que Luiz Paulo Fontana ligou para saber se podia lavrar a escritura na manhã da segunda-feira, 10 de abril, momento em que ela disse que faria se tivesse toda a documentação necessária. M.T. teria mencionado que Luiz Paulo Fontana queria a escritura ainda naquela manhã, porém foi informado que não havia tempo hábil e que o valor da prestação do serviço é tabelado.
Ainda, M.T. teria relatado que no dia fez uma guia meramente informativa e repassou as informações de praxe a quem levou a guia até a prefeitura, que Borsatto, pelo que lembra, ligou em duas oportunidades, pedindo se os documentos necessários já haviam sido entregues, momento em que disse que não havia feito mais nada, e que era para entrar em contato com a Administração que havia assumido o Executivo, e na outra oportunidade, ele ligou dizendo que estava na presença do prefeito e que queria saber como estava o andamento da escritura, quando M.T novamente pediu para entrar em contato com a Administração. Ela contou ainda que emitiu quatro vias da guia de ITBI para N.A, as quais foram encaminhadas por e-mail. Por fim, afirmou que posteriormente ao ocorrido, inúmeras pessoas começaram a fazer “chacota” com a depoente, mas ressalta que não possuía inimizades e que atendia a todas as pessoas com muito respeito e dedicação.
Na própria manifestação encaminhada ao Ministério Público, em sua defesa, Jaime Talietti Borsatto teria relatado que assumiu o Executivo de Arvorezinha de 1º de janeiro de 2017 a 10 de abril de 2017, e que, como prefeito interino, decidiu, em razão da exiguidade de tempo, manter a linha do governo que até então vinha sendo exercida pelo também investigado Luiz Paulo Fontana, prefeito de Arvorezinha na gestão 2013/2016.
Nesta linha, o Ministério Público constatou que Luiz Paulo Fontana corroborou ativamente para a aquisição do imóvel em questão, pois era de seu interesse que tudo se resolvesse antes da nova posse, razão da sua efetiva participação junto ao tabelionato. Neste âmbito, o então tesoureiro do município, C.A.S, em seu depoimento referiu que recebeu ordem para fazer o pagamento no dia 10 de abril e que o referido pagamento foi encaminhado na parte da manhã, onde estavam Borsatto e Fontana aguardando a efetivação dos pagamentos na tesouraria para solicitar à contabilidade a emissão de relatórios. Ele mencionou ainda que não questionou a respeito da realização ou não da escritura pública, pois não era sua atribuição.
De acordo com o Ministério Público, tais elementos demonstram o agir desonesto do administrador, o qual aparentemente objetivava a aquisição de terreno para construção de casas populares, mas escondia, na verdade, o interesse pessoal de adquirir um terreno determinado, de propriedade de L.Z.G, em razão de promessa feita a este, o qual, estava filiado ao mesmo partido, no caso, o Progressista. A compra da área de terras teria sido uma promessa política de Borsatto durante as eleições suplementares de 2017. Em um vídeo de um minuto e 31 segundos (divulgado no Facebook), Borsatto aparece ao lado de L.Z.G falando da construção de casas populares.
Deste modo, no entender do Ministério Público, Jaime Borsatto e Luiz Paulo Fontana, dolosamente se desviaram da finalidade. Borsatto de forma direta, e o particular, Fontana, como partícipe, teriam deixado de cumprir o que dispõe a lei e a Constituição. Suas condutas teriam os afastado da moral que deve presidir a atividade administrativa, responsável ou não por dano ao erário, razão pela qual o foi ajuizada a Ação Civil Pública.
Fontana teria participado ativamente
Conforme a promotora de Justiça designada, Daniela Pires Schwab, apurou-se que Fontana teria participado ativamente, pois se fez presente, corroborou para a execução de atos que objetivaram a compra irregular do imóvel para favorecer interesses pessoais, maculando assim à moralidade administrativa.
Em seu depoimento, o ex-prefeito disse que tinha cópia do processo de desapropriação e que iria entrega-lo à comissão de sindicância. No entanto, o que se verificou dos documentos juntados por ele, no entendimento do Ministério Público, é que ele estava em posse do mapa original do processo de desapropriação, além de não haverem justificativas acerca do interesse do ex-prefeito no processo de desapropriação, considerando a inexistência de vínculo com o Poder Executivo. Com isso, o Ministério Público entendeu que que este ficou em posse de documentos públicos originais, documentos estes de propriedade do município, que deveriam estar arquivados junto à prefeitura e não em posse de terceiros.
Assim, Luiz Paulo é tratado na ação como ‘particular’, pois já não era gestor público, mas teria concorrido para a prática do ato de improbidade administrativa, participando da imoralidade qualificada, caracterizada pelo ato de má fé do agente público, que no exercício de sua função pública, se desviou do dever de atuar com retidão e lisura, para beneficiar-se ilicitamente.
Penalidades
Em relação à conduta praticada pelos réus Jaime Talietti Borsatto e Luiz Paulo Fontana é cabível: a perda da função pública que eventualmente ocuparem; a suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos; pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente; e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de três anos.
Processo tramita na Comarca de Arvorezinha
A Ação Civil Pública foi ajuizada pelo Ministério Público no dia 08 de julho de 2021, na Comarca de Arvorezinha. No dia 12 de julho a juíza, Dra. Eveline Buffon, determinou a a notificação de Jaime e Luiz Paulo para, querendo, ofereceram manifestação por escrito, dentro do prazo de 15 dias. Conforme movimentação do processo, disponível no site www.tjrs.jus.br, o prefeito Jaime Borsatto foi notificado em 05 de agosto, e tem prazo para apresentar sua manifestação até o dia 26 de agosto de 2021. Até o fechamento da edição não havia informação no sistema quanto à notificação de Luiz Paulo Fontana.
Após ambos apresentarem suas manifestações, a juíza da Comarca de Arvorezinha deverá analisa-las e manifestar-se quanto ao prosseguimento da ação.
Contraponto
O prefeito Jaime Borsatto e o ex-prefeito Luiz Paulo Fontana foram procurados pelo Eco Regional e não quiseram se manifestar.