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“Nem todo o ser humano é um autista, mas todo o autista é um ser humano”

No dia 2 de abril celebrou-se o Dia Mundial de    Conscientização Sobre o Autismo

Por Rosemary Piccinini

 

No sábado, 2 de abril, foi celebrado o Dia Mundial de Conscientização Sobre o Autismo, data importante para reforçar informações contra o preconceito e discriminação com relação às pessoas autistas.

Normalmente, a condição é detectada na infância, já que os sintomas tendem a surgir nos primeiros dois anos de vida. As crianças podem ter convulsões, distúrbios do sono, ansiedade, transtornos alimentares, Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e distúrbios de linguagem.

 

O diagnóstico

Daniel Pinsetta, hoje com 11 anos, foi diagnosticado após atitudes mais agressivas e comportamento individual. “Além do Dani, eu e meu esposo Clóvis temos outro filho, o Gustavo, de 24 anos, e inclusive ambos se dão muito bem. Como me dediquei a cuidar do Gustavo até ele completar quatro anos, assim fiz com o Dani. Nesse meio tempo, o Dani evoluiu assim como o Gustavo, tanto no falar, no caminhar, no aprender, e foi assim até os dois anos e pouco. Aí parece que ele barrou. Quase que parou de falar e ficou mais agressivo. Achamos que era birra e por muitas vezes nós o repreendíamos”, conta a mãe, Marivone Parizotto Pinsetta.

A família, que reside em Anta Gorda, decidiu então matricular Daniel na escolinha municipal, logo após sua abertura. “Já foi difícil começar a mandar ele de ônibus para a escola. Ele não queria, se jogava no chão e empurrava todo mundo. As professoras também tiveram dificuldades com ele, mas sempre apoiaram para que ele frequentasse a instituição”, relata.

“Porém, na escola ele queria ficar só sozinho, chorava, não queria ficar na sala de aula, e as professoras, percebendo esse comportamento, nos alertaram. Nós já havíamos procurado ajuda de psicólogo antes, e partimos então para a consulta com um neurologista, que nos deu o diagnóstico: autismo. Nosso chão abriu, e aí começou a batalha”, recorda Marivone.

 

A batalha

Segundo ela, os primeiros seis meses foram difíceis. “Ele continuava não querendo ir para a escola, se jogando no chão, e teve um dia que caiu no ônibus e quebrou os dentes. Eu chorava muito, pois era algo novo, que nós nunca tínhamos ouvido falar e não sabíamos como lidar. Talvez se fosse hoje, por esse transtorno já ser mais abordado e conhecido, eu prestaria mais atenção em certos pontos. Para se ter uma ideia, na época comecei a pesquisar no computador para ficar mais a par do que se tratava”, salienta.

A família conta que chegou a buscar avaliações com outros profissionais e terapias. “Mas todos falavam a mesma coisa. Daí encaminharam ele para a APAE, e depois ele começou a ter crises de ansiedade, que foram controladas com a nova medicação”, conta ao ressaltar que Daniel nunca teve distúrbios no sono. “Ele nunca nem fez xixi na cama e só tem problemas com a rinite. Mas ir ao dentista era difícil, coletar sangue era difícil, dos bichos ele tinha muito medo. Hoje é bem tranquilo. A cada seis meses ele faz exames em razão da medicação, e coletar sangue já não é mais um problema. São passos de formiguinha, mas ultimamente ele está bem diferente, evoluindo”, salienta.

 

O preconceito

De acordo Marivone, o filho foi, aparentemente, o primeiro autista em Anta Gorda. “Hoje não sei quantos autistas tem no município, mas são vários”, comenta.

A prevalência dos últimos anos está aumentando aparentemente de forma acelerada. Dados das estatísticas norte-americanas do CDC (Central of Disease Control) mostram uma em cada 150 crianças em 2000/2002 foram diagnosticadas com autismo, para uma em cada 68 crianças durante 2010/2012, e uma em 59 crianças em 2014. Nos dados do mês de março de 2020, alcançou-se marca de uma em cada 54 crianças. Isso significa que a incidência do autismo mais do que duplicou em 12 anos. Manchetes chegaram a anunciar uma “epidemia” de autismo, transtorno que só é descoberto durante o desenvolvimento da criança.

“Muitas pessoas não sabem do transtorno, não entendem e julgam diante de qualquer comportamento. Aí você tem que respirar e explicar para que haja um entendimento. Confesso que tiveram momentos difíceis em que deu vontade de segurar ele em casa sim, pois passamos por muito preconceito e exclusão, embora ele seja um menino extremamente educado. Tudo ele pede se pode, ele agradece, pede com licença”, destaca.

 

Recomeço

Marivone então apelou para a Escola Sagrado Coração de Jesus, de Anta Gorda, para que Daniel recebesse mais estímulos. A escola tem como atual diretora Simone Baldi e na época Marili Debortoli. “Após ele frequentar a sala de aula normalmente, como as outras crianças por um período, me chamaram para dizer que iriam colocá-lo na Sala de Recursos da escola. Na hora eu disse que estavam querendo excluir ele, mas acabei por concordar e foi a melhor coisa que fiz. Aí comecei pagar a psicopedagoga particular para ele também. Agora ele fica um tempo em sala de aula e quando cansa vai para a Sala de Recursos. Ele adora”, declara.

Marivone gostou tanto da Sala de Recursos, que plantou uma sementinha, a qual está sendo regada pelo vereador Paulo Bettoni. “Penso que seria muito interessante que o município tenha um Centro de Apoio para Crianças Especiais e um dia manifestei esse pedido ao vereador, que de imediato fez um pedido ao Executivo. Parece que já houve até uma reunião”, comemora.

“O Dani tem atendimentos. Ele vai na aula, ele vai na Sala de Recursos duas tardes por semana, ele vai na catequese, e com isso ele já sai da rotina de ficar em casa. Mas eu penso num todo. Tem crianças que já terminaram a escola e ficam só em casa. Ainda, como eu falei para o vereador, com esse Centro de Apoio em Anta Gorda, não precisaríamos nos deslocar até a Apae de Encantado para ter 45 minutos de atendimento”, frisou.

Ela encerra deixando uma mensagem aos pais que receberam ou receberão o diagnóstico de autismo. “O melhor a se fazer é parar, respirar, ter ciência que não vai ser fácil, mas que tem solução, é só ir em busca. É difícil? É. Mas não desistam, vão em frente, vão em busca dos direitos dos seus filhos, pois eles têm direitos. Eles podem, eles conseguem e eles têm capacidade. Vale destacar ainda que isso pode acontecer em qualquer família e que nem todo o ser humano é um autista, mas todo o autista é um ser humano”, concluiu.

 

Um pedacinho do céu em Anta Gorda

Muitos não sabem, mas é na Sala de Recursos da Escola Sagrado Coração de Jesus, que transformações fantásticas acontecem. O trabalho desenvolvido é por meio do Estado, que é o mantenedor desse espaço que já existe há 18 anos. No local é prestado atendimento especializado para crianças com dificuldades.

As professoras Fernanda Menezes Cutti e Gisseli Arossi atuam diretamente com essas crianças. Fernanda conta como tudo funciona: “Antigamente podíamos atender na Sala de Recursos todas as crianças que estivessem matriculadas nas escolas do município, porém, o Estado foi restringindo esse atendimento e agora só podemos atender as crianças que estão matriculadas na escola do Estado. Então, diminuiu a demanda, mas ela continua”, destaca.

“Nós iniciamos atendendo portadores de deficiências intelectuais e físicas. O autismo surgiu depois e o Dani foi o meu primeiro aluno autista. Até então não era muito divulgado esse transtorno, porque as pesquisas eram poucas e as características se confundiam com déficit de atenção. Mas o transtorno foi surgindo e as crianças necessitando desse atendimento mais aguçado, mais aprimorado”, acrescenta.

Ela afirma que a Sala de Recursos está disponível para atender as crianças com necessidades especiais, mas que mesmo assim, essas crianças precisam estar na sala de aula. “A Sala de Recursos é opcional, se os pais acharem que é necessário. Hoje atendemos oito crianças e muitas não têm laudo porque os pais ainda não aceitam o diagnóstico. E essa é a parte dolorida, pois até sabemos que até eles entenderem não é fácil, e às vezes vivem uma vida toda de luto para poder entender a criança”, salienta.

Exclusivamente falando sobre Daniel, seu primeiro aluno autista, a professora destaca: “É uma criança maravilhosa. Ele é superinteligente, mas não gosta de escrever. Ele é expert no inglês e aprendeu isso vendo vídeos sozinho”, conta. “Quando estamos explicando algum conteúdo, às vezes achamos que ele não está prestando atenção, mas depois de um tempo se perguntarmos sobre o que foi falado, ele lembra”, relata.

“O Dani frequenta a escola desde o primeiro ano e na Sala de Recursos nós tentamos trabalhar ludicamente o que não consegue ser trabalhado na sala de aula. Às vezes entre os normais nós somos diferentes, então entre os especiais, também cada um tem as suas particularidades. Eles são uma maquininha de surpresas”, acrescentou.

Fernanda também explana sobre a necessidade de um Centro de Atendimento em Anta Gorda. “Nós queremos montar esse Centro de Atendimento e nós vamos batalhar por isso que vai proporcionar melhor qualidade de vida a essas crianças e adolescentes especiais. Penso que o aprender não precisa ser só ler e escrever. A gente aprende brincando, jogando, cantando, fazendo um biscuit, fazendo um teatro, dançando”, pontua.

E ver a evolução de cada aluno é para Fernanda uma em emoção gigantesca. “Porque a gente vê dia a dia a diferença neles. Por exemplo, no primeiro dia que o Dani chegou aqui, nós choramos juntos. Agora ele já sabe onde estão as coisas, ele vai, ele faz, vai para o banheiro sozinho, vai tomar a água dele sozinho, sendo que antes ele precisava de ajuda para tudo. Ele já tem uma vida ‘independente’. Aqui as crianças se sentem acarinhadas, se sentem bem e sempre respeitamos o que elas estão afim de fazer, afinal, nós também às vezes estamos com vontade de fazer alguma coisa, outras vezes não. Elas também têm as vontades próprias delas”, enfatizou ela que frequentemente realiza capacitações na área.

Fernanda ainda destaca a importância da inclusão. “Portadores de autismo ou qualquer outra patologia, tem que ser tratados de forma igual as outras pessoas, só que claro, com um pouco mais de carinho, um pouco mais de paciência, um pouco mais de persistência, amor e respeito às particularidades de cada um. Aqui na escola é realizado um trabalho com muito amor, alegria, paciência, respeito e tentamos buscar os pais para que estejam conosco, para que abracem junto”, disse. “O carinho que recebemos dessas crianças não tem como explicar, é uma coisa tão maravilhosa que não tem dinheiro que pague. É como o primeiro olhar do seu filho, o primeiro abraço, o primeiro eu te amo. Eles passam a fazer parte da nossa vida”, finalizou.

Daniel junto à mãe Marivone, professora Fernanda e diretora Simone

Curiosidades

O Albert Einstein nunca foi diagnosticado em vida com autismo. No entanto, relatos de comportamentos dele bem como coisas que ele mesmo dizia de si fazem com que especialistas acreditem que o físico tivesse uma forma de autismo de alto funcionamento.

O jogador Lionel Messi é autista. Ele foi diagnosticado aos oito anos de idade, ainda na Argentina, com a Síndrome de Asperger, conhecida como uma forma branda de autismo. Ainda que o diagnóstico do atleta tenha sido pouco divulgado e questionado, como uma maneira de protegê-lo, o fato é que seu comportamento dentro e fora de campo são reveladores, conforme relatos.

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