A precária situação econômica da Argentina tem provocada uma evasão em massa de sua população; muitos argentinos em situação de vulnerabilidade social estão chegando na região em busca de melhores condições de vida
Olho
“Se você comprar uma roupa, você deixa de comprar comida”
Por Divanei Mussio e Oneide Marcos
A descontrolada inflação, o aumento de impostos, o estrito controle do capital na Argentina, a constante perda de valor do peso argentino e o aumento da pobreza, representam alguns dos fatores que motivam a imigração argentina para o Brasil, e também para outros países da América do Sul.
Os municípios de região de alcance do Eco Regional estão dentro dessa perspectiva de receber cada vez mais cidadãos argentinos que buscam melhores condições de vida, buscando alternativas para a realidade dura no país fronteiriço.
O número de Argentinos em Arvorezinha pode ser superior a 700
Não existem dados oficiais, apenas a certeza de que eles estão chegando na cidade diariamente. Segundo estimativas dos próprios argentinos, nas conversas com a reportagem do Eco Regional, cerca de 250 imigrantes vivem, de forma legal e ilegal, em Arvorezinha, porém, fontes extraoficiais afirmam que a quantidade pode ser maior do que 700.
A grande maioria dos imigrantes vem com a família, o marido, a esposa e um grande número de filhos, sem muitos pertences, roupas ou local para morar. Apenas carregando o sonho de poder conquistar uma vida mais digna, com trabalho e remuneração descente que permita quitar suas despesas com as necessidades básicas. Muitos não tem documentos, estão no País de forma ilegal e precisam de apoio inclusive para legalizar sua situação.
A assistente social da Secretaria de Assistência Social do Município, Sônia Baldissera, informa que os imigrantes devem entrar em contato com a Polícia Federal do Brasil, instituição subordinada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública antes de virem para cá; toda a documentação necessária é fornecida por esse órgão . “Os imigrantes devem providenciar a documentação correta, não para virem como turistas, mas com a documentação adequada para trabalhar, além de saberem antes das condições onde irão ficar”.
Sonia informa que o Cras já intermediou diversas situações em defesa dos imigrantes, porém eles esbarram na falta da documentação legal para estarem aqui como trabalhadores e não como turistas. “Dependemos de doações de roupas e outras necessidades básicas para ajudá-los, por isso temos muitas limitações”, complementa a assistene social.
Já houve casos de trabalhadores argentinos que vieram de outros municípios como Putinga e Doutor Ricardo para buscar atendimento na Saúde e no Cras de Arvorezinha.
O fluxo está aumentando
Nos últimos tempos, o fluxo de trabalhadores argentinos vindos para Arvorezinha está se intensificando e suas condições de vida preocupam as autoridades locais. O secretário de Saúde do Minicípio, Daniel de Lima, chama a atenção dos empregadores, no momento que procuram essa mão de obra. “Pedimos que os empregadores tenham a responsabilidade de saber das obrigações com esses seres humanos. Muitos homens vêm com a esposa e muitos filhos e as pessoas precisam entender essa situação. Para o Município é complicado, estamos ajudando todos, mesmo aqueles que não têm documentação pois não tem como negar os primeiros socorros quando a questão é saúde. Estamos fazendo a nossa parte e pedimos que antes de serem trazidos para cá, que sua situação seja regularizada para que não sejam prejudicados e sofram com a falta de atendimento”, alerta o secretário.
Muitas famílias já estão consolidadas em Arvorezinha
Essa é a situação da família de Miriam Suzana Costa, 35 anos, natural da cidade argentina de Bernardo Irigoyen, que pertence à província de Missiones, na divisa com Dionisio Cerqueira, município catarinense. Miriam mora em Arvorezinha junto com a família e encontra-se como imigrante legalizada. Ela relata a vida no país de origem e detalha os motivos para optar pela imigração.
“Viemos para mudar de vida porque lá já estava difícil e agora está pior; tudo é caro, mercado, roupas. Você não consegue ter conforto para os filhos, para a família. O trabalho na roça é pouco, que é onde quem não tem estudo trabalha; nós sempre trabalhamos na erva, mas foi ficando cada vez pior, sem serviço”.
Os preços dos itens básicos para a sobrevivência são inacessíveis para a população de baixa renda, conforme a mãe de família continua relatando. “Você não consegue comprar uma roupa, um calçado, uma meia. Nada. Uma comida, ‘mal e mal’ dá para comprar. Se você comprar uma roupa, você deixa de comprar comida. É difícil, muito difícil, por isso, optamos em vir para o Brasil.”
No país vizinho, Miriam deixou familiares e amigos que demonstram vontade em cruzar a fronteira. “Quando eles perguntam, digo que aqui é outra vida, que tem serviço, pagam bem; não quero mais morar na Argentina”, afirma de forma imperativa e irrefutável. O esposo, Cristian Rodrigues, de 42 anos e os quatro filhos corroboram com sua decisão. Falando muito bem a língua portuguesa, a imigrante afirma que aprendeu o idioma morando na fronteira entre os dois países.
Sonhos e futuro
A forte e corajosa mãe latino-americana deixa transparecer seus maiores sonhos, que são direcionados ao futuro dos filhos. “Meu maior sonho é que meus filhos estudem e que tenham sua casa própria”. Para a maioria dos brasileiros, estudar e ter casa própria não é sonho, é realidade, mas para essa família que veio de um país conturbado economicamente, ainda é um sonho, com perspectivas de se concretizar longe da terra natal. Pelas suas palavras sinceras, percebe-se que considera o Brasil um paraíso, mesmo com as dificuldades existentes, perto da situação do país portenho; a família paga aluguel e ainda busca melhorar suas condições de vida, “mas aqui é muito melhor” ratificou novamente. “Não passamos necessidades e estamos todos trabalhando”.
Miram não esquece de agradecer a tudo e a todos que estão auxiliando a família a estabelecer-se em Arvorezinha. Os patrões são mencionados de forma especial. A família continua trabalhando com erva-mate, atividade que tem grande conhecimento e prática.
Alzira Ribeiro da Silva, 65 anos, mãe de Miriam, está visitando a filha e afirma que quer vir morar aqui. “Lá está quatro, cinco mil pesos o quilo da carne e não dá para comer. A aposentadoria não dá para nada; é muito triste a situação nossa. Vou fazer os documentos e vou vir. Quase todos os meus filhos já moram no Brasil”. Alzira está acompanhada da filha Marisa Antunes, que na mesma percepção dos demais familiares, coloca, claramente, a diferença de vida dos cidadãos dos dois países. “Aqui é bem melhor”, avalia, de forma firme e segura.
Pela conversão atual, R$ 1 mil reais, equivale a mais de 170 mil pesos argentinos.
A atuação da assistência social no apoio aos imigrantes é destacada por Miriam. “O Cras nos ajuda muito, e a Saúde do Município também. Recebemos roupa de vestir, de cama; hoje mesmo recebemos um roupeiro. Os vizinhos também nos auxiliam com tudo o que podem; outro dia ganhamos colchões de uma vizinha. “Deus dará em dobro para essas pessoas”, agradece, do seu jeito, a agricultora.
O desafio de adaptar-se à nova cultura, parece que já foi superado. A família relata que gosta da música gaúcha e que o futebol estadual já faz parte da sua vida. “Somos torcedores do Internacional”, contam, animados.
O sonho de ser policial
A filha de Miriam, Sara Antonela Acosta, de 19 anos, trabalha num mercado da cidade e veio para o Brasil aos 15 anos, junto com a família. Inicialmente, em Santa Catarina, onde moravam, a jovem trabalhava com a família na roça. “Meu pai conhecia bem a cultura da erva-mate e decidiu vir para Arvorezinha; minha mãe veio para passear, gostou da cidade e resolveu ficar também”, relata.
Sara está no seu primeiro emprego formal e legalizado; isso lhe deixa feliz e realizada. Ter seu próprio dinheiro é motivo de orgulho: “Trabalho aqui e ajudo eles a pagar as contas e o aluguel”, argumenta a imigrante, que, seguindo a postura da família, não pretende voltar a residir no país governado, no momento, por Javier Milei, eleito recentemente para a presidência. “Lá não está bom para viver e morar, está tudo muito caro; o dinheiro não vale quase nada”, atesta.
Como todo jovem que está encaminhando o futuro e fazendo projeções, Sara tem um sonho: quer ser policial. “Estou fazendo o primeiro ano do EJA”, informa a moça argentina, com um brilho nos olhos e um pé no futuro.
“Estamos todos nos ajudando e está dando certo”
Clarinda Barbizan, a empregadora de Sara, diz sentir-se feliz pela oportunidade que está sendo oferecida à jovem. “Nos apegamos a ela; primeiramente demos emprego na roça para um tio dela, que tem quatro crianças e precisa trabalhar. Depois, veio mais uns cunhados e vieram chegando mais e mais argentinos. Ajudamos todos dando crédito no mercado e assim estamos até hoje. Estamos todos nos ajudando e está dando certo”.
Clarinda menciona a falta de mão de obra no município e afirma que os argentinos vêm com vontade de trabalhar. “Mesmo com vários filhos, as mães procuram trabalho para ajudar o marido”.