Presidente da FGTAS defende revisão criteriosa do programa para promover justiça social e atender às reais necessidades da população
A pirâmide etária brasileira está passando por mudanças significativas nas últimas décadas. Desde 2019, segundo o IBGE, o número de pessoas com mais de 60 anos no Rio Grande do Sul supera o de crianças com menos de 14. Essa inversão etária evidencia um cenário preocupante: a força de trabalho jovem está diminuindo drasticamente no Estado — e também no Brasil.
Em contrapartida, cresce o número de imigrantes com carteira assinada no Estado. Em 2022, eram cerca de 24 mil; em 2023, aproximadamente 36 mil. Em 2024, o número ultrapassou 46 mil, de acordo com dados da Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social (FGTAS).
Bolsa Família: inclusão com responsabilidade
Em entrevista ao Eco Regional, o presidente da FGTAS, José Scorsatto, comentou sobre a atual conjuntura do mercado de trabalho e a relação com os programas assistenciais.“Em 2025, esse número deve passar de 65 mil. Principalmente na indústria de transformação — com destaque para os frigoríficos da nossa região — a mão de obra de imigrantes venezuelanos, haitianos, paraguaios e argentinos tem sido essencial. Isso contribuiu para que, em 2023, o Rio Grande do Sul atingisse a menor taxa de desemprego dos últimos 12 anos.”
Scorsatto avalia que, apesar da boa situação no mercado de trabalho, ainda há distorções no uso de benefícios sociais. “O Bolsa Família é essencial e deve continuar. No entanto, é preocupante quando pessoas permanecem 15 ou 20 anos recebendo o auxílio e realizando apenas bicos informais, enquanto há vagas disponíveis que exigem contratação formal. Isso prejudica tanto o trabalhador quanto o desenvolvimento do país”, pontua.
Ele defende a revisão dos critérios de concessão do programa. “O sistema é muito autodeclaratório e as prefeituras, muitas vezes, estão de mãos atadas. É preciso urgência nessa análise”, reforça.
Bento Gonçalves como exemplo
Um exemplo citado por Scorsatto é a iniciativa da prefeitura de Bento Gonçalves. O prefeito Diogo Siqueira promove uma busca ativa para identificar a real necessidade dos beneficiários do Bolsa Família e sua capacidade de inserção no mercado de trabalho. “Essa experiência é excelente. Não se trata de ser contra os benefícios, mas sim de aplicar critérios claros e justos. Uma mãe que depende do auxílio, por exemplo, precisa continuar recebendo até conseguir um emprego e garantir vaga para o filho na creche. O objetivo é apoiar a transição, e não criar dependência permanente”, explica.
Scorsatto também defende que, durante o período em que o cidadão recebe o benefício, haja incentivos para qualificação profissional. “É assim que construiremos uma verdadeira justiça social. Hoje, há pessoas que realmente precisam do Bolsa Família, mas não conseguem acessá-lo, enquanto outras usam como complemento de renda mesmo com capacidade de trabalho”, alerta.
Mercado com milhares de oportunidades
De acordo com dados do Sine, apenas nesta semana há mais de 12 mil vagas de emprego abertas no Rio Grande do Sul. “Fora os processos seletivos conduzidos diretamente pelas empresas e agências privadas de RH. A estimativa é de 40 a 50 mil vagas por mês disponíveis em todo o Estado”, informa o presidente da FGTAS.
Hora de levantar a bandeira
Para mudar essa realidade, Scorsatto tem levado o debate a nível estadual. “Na semana passada estivemos em Coqueiro Baixo e propusemos aos vereadores da Avat que promovam audiências públicas nas Câmaras Municipais. Precisamos envolver a sociedade nesse debate para que possamos agir antes que faltem trabalhadores em nossas empresas. Isso impacta diretamente na arrecadação e na capacidade de funcionamento da máquina pública”, alerta.
Ele sugere que Associações Comerciais também se mobilizem, promovendo palestras e eventos para discutir o tema, inclusive com sindicatos. “Os sindicatos, por vezes, se posicionam contra a limitação de tempo dos benefícios. Eu sou defensor dos direitos trabalhistas, como o 13º, licenças e descanso remunerado. No entanto, precisamos proteger também quem emprega. Se não houver equilíbrio, o empregador buscará alternativas fora do Estado, e isso compromete toda a cadeia produtiva.”
Fiscalização e equilíbrio
Scorsatto finaliza reforçando a importância de reavaliar o modelo atual.“É fundamental que o Bolsa Família continue cumprindo seu papel de combate à pobreza. Mas também é necessário ampliar o poder de fiscalização dos gestores municipais, para que possam agir com mais eficácia — tanto para corrigir distorções quanto para garantir que o auxílio chegue a quem realmente precisa.