Em Anta Gorda, de um grupo de 20 produtores, apenas quatro ainda seguem apostando no cultivo
Por Rosemary Piccinini
Uma frutinha pequena, saborosa e de muitos usos. O mirtilo ou “blueberry” (como se chama nos Estados Unidos) está em crescimento no mercado agropecuário mundial. Porém, na região, seu auge foi há cerca de 14 anos, quando dezenas de produtores, por verem a cultura como a “galinha dos ovos de ouro”, repentinamente começaram a investir.
“Começaram umas histórias de que o pessoal ia quase enriquecer plantando mirtilos”, lembra o produtor rural Roberto Ramos, morador da Linha Contini. “Na época, antes de começar a ter a plantação, a fruta já valia R$ 40 ao quilo. Aí todo mundo queria plantar, e nós, obviamente, também fomos atrás de informações para saber como funcionava. Iniciamos plantando um pouquinho para ver se iria dar certo, depois fizemos um financiamento e nos jogamos de cabeça nessa cultura”, conta.
De acordo com ele, uma associação chegou a ser formada na região em razão do cultivo. “Na época, foi fundada uma associação com envolvimento do Sindicato Rural de Arvorezinha, da Emater/RS-Ascar, dos incentivadores Cléber Schuster e Ângelo Viega, de Arvorezinha, e do ex-presidente do Ibramate, Roberto Ferron, que nos ministrou algumas palestras. Nós éramos mais de 30 produtores, só de Anta Gorda eram 20”, relata.
Porém, com o passar dos anos, a maioria dos produtores começaram a desistir da cultura e somente quatro na região continuam nesse segmento. “Confesso que eu cheguei, também, a pensar em desistir em uma época, só não fiz em razão do transtorno com o financiamento, pois como era realizado em grupo, uns eram avalistas dos outros, e alguns não pagaram suas dívidas”, lamenta. Mas a situação de Ramos se regularizou e ele seguiu firme apostando no cultivo do mirtilo e abandonando, inclusive, o plantio do fumo para se dedicar inteiramente à fruta.
Hoje, Ramos conta com mais de 150 pés de mirtilo em sua propriedade. O manejo e colheita tem mão de obra familiar. “Dá bastante trabalho na hora da colheita porque é tudo manual, tem que colher um por um”, ele conta, ao revelar que os pés ultrapassam sua altura e chegam a dar cerca de 12 quilos da fruta por planta.
Já no terceiro ano após o plantio, Ramos começou a colheita. “Nesse meio tempo, chegamos a perder algumas safras por não ter para onde vender, ocasião que fez a grande maioria dos produtores arrancarem suas plantações de mirtilos”, destaca. “Mas de cinco anos para cá, nos encaixamos em umas empresas que começaram a comprar a nossa produção. Hoje, o que colhemos é praticamente tudo vendido”, comemora.
A fruta é vendida congelada. “Nós vendemos a fruta congelada. Tiramos, fazemos a classificação e guardamos quilo por quilo no pacote lacrado no freezer, para depois vender por um preço que varia de R$ 20 a R$ 25 ao quilo. Inclusive, se alguém tiver interesse, ainda temos uma pequena quantia para venda. Basta entrar em contato pelo número (51) 98059.8935 e fazer sua reserva”, informa.
Na propriedade, são encontradas três variedades da fruta, sendo que o tamanho e a acidez variam muito de uma para outra. “Toda a nossa produção, que se dá uma vez ao ano, é livre de agrotóxicos. Contamos com as variedades Climax, Powderblue e Blue Green. Em junho, as plantas começam a florescer e a época de colheita vai do início de novembro até janeiro, quase que diariamente”, ressalta Ramos, ao frisar que a irrigação é bastante importante para uma boa produtividade. “Outro fator que influencia muito é o clima. O mirtilo precisa de pelo menos 400 horas de frio, senão ele não produz. O frio beneficia a produção, porém, se der uma geada muito forte na época da floração, derruba bastante”, alerta.
“Fomos iludidos naquela época”
Morador da Linha Terceira Baixa, bem na divisa com Anta Gorda, Adroaldo Blanger é outro dos quatro produtores que seguem apostando no cultivo do mirtilo. Ele afirma o que foi dito por Ramos. “Aquela vez fomos enganados, porque todo mundo dizia que íamos ganhar mais de R$ 100 ao quilo do mirtilo, e aí todo mundo plantou, inclusive nós, que plantávamos fumo na época e queríamos parar com aquela atividade”, conta.
Blanger chegou a plantar 1,2 mil pés de mirtilo na época, sendo que hoje mantém cerca de 800. “Nós fomos iludidos naquela época, mas persistimos. Aí foi aberta a cooperativa em Arvorezinha, a qual tinha tudo para dar certo, mas foi mal administrada, tanto que começamos a vender os mirtilos para ela e não recebíamos, sendo que da nossa propriedade era de onde saíam as maiores cargas. Uma carga tive que pegar em adubo para não perder o valor, e outra tive entrar na justiça para conseguir receber. Recebi conforme o combinado, mas para entrar na justiça tive que gastar para sair da cooperativa que eu era sócio”, relata.
Ele ainda ressalta que outra carga foi perdida para uma empresa de Serafina Corrêa. “Nunca mais vimos o dinheiro”, lamenta Blanger, ao também citar o episódio do financiamento: “Teve gente que pegou um dinheirão em cima disso na época, saíram até do município e ficaram devendo para os outros. Nós passamos oito anos com o nome sujo por causa de produtores que não pagaram suas contas”, acrescentou.
Depois de tamanha decepção, ele revela que havia decido arrancar os pés de mirtilo. “Eu ia arrancar tudo porque a cooperativa que falava que venderia nunca achou um lugar para vender. Nós fizemos uma poda que era para matar os pés e, mesmo assim, naquele ano deu 1,5 mil quilos. Quando começou a amadurecer pensamos: vamos vender para quem? Ligávamos para um, não queria, ligávamos para outro, também não. Até que um dia chegou um pessoal e me pediu quanto eu queria ao quilo, e eu disse que por R$ 8 venderia. No outro dia eles voltaram e me disseram que era para fazer a colheita que eles ficariam com tudo e levariam até Vacaria”, conta.
A parceria foi mantida por seis anos. “Nesse ano não conseguiram comprar, mas eu já tinha contato de outros compradores. Aí um pouco foi para Farroupilha, um pouco para Caxias do Sul, um pouco para Foz do Iguaçu, e se eu tivesse dez toneladas eu venderia tudo”, comemora, ao revelar que já no segundo ano após o plantio, iniciou a produção. A última safra rendeu quase 3,8 mil quilos da fruta. “E vendi tudo. A gente colhe, congela e quando tem mil quilos, o pessoal vem e carrega. Quero deixar claro que nós estamos ganhando dinheiro de seis anos para cá, depois que eu saí da cooperativa”, enfatiza
Segundo o produtor, trabalhar com mirtilo não é um serviço pesado. “Mas é um serviço enjoado, pois são 60 dias, quando é época de colheita, que nós descansamos apenas nos domingos de tarde, Natal e Ano Novo”, disse. Questionado se pretende ampliar a produção, Blanger destaca: “Não pretendo, porque nossa mão de obra está ficando escassa. Para nós, hoje, é mais viável trabalhar na erva-mate, que também cultivamos, dois dias por semana. Mas não vou arrancar os pés de mirtilo. Vou ir reformando-os e até que tiver frutas vou continuar colhendo, isso vai mais de dez anos ainda”, salientou.
Blanger encerra: “Aconselho que, se alguém quer investir no cultivo de mirtilo, desde que tenha mão de obra e água para irrigação, hoje é um bom investimento”, finalizou. O telefone para contato de Blanger é (51) 99877.1736. Interessados na compra de mirtilos podem fazer suas reservas.
“Colher mirtilo me faz bem, é um lazer”
Moradora da Linha Terceira Moresco, Vânia Rui Pasetti, que também pertence ao grupo dos quatro produtores de mirtilo de Anta Gorda, recorda como tudo começou. “Meu cunhado, que morava aqui perto, foi quem nos incentivou. Nós não queríamos, mas ele nos convenceu, pois faltava um produtor para fechar o grupo de 20 pessoas. Isso foi em 2007. Nos primeiros anos, perdemos bastante. Eu colhia até 800 quilos e vendia para uma empresa de Serafina Corrêa, que não nos pagou nada. Depois, abriu a cooperativa em Arvorezinha, nos mandavam embalar os mirtilos e ganhávamos R$ 20 ao quilo, valor que depois foi reduzido para R$ 4. Aí largamos de mão, deixamos as plantas meio do mato e não colhíamos mais”, conta.
No pomar, chegaram a ser plantados 1,2 mil pés da fruta. Hoje, cerca de 300 se mantém, tendo em vista que muitos morreram. “Teve um dia que apareceu um homem e me perguntou dos mirtilos. Eu disse que estavam no meio do mato e que eu não tinha como colher em razão da cirurgia de minha filha, pois precisava cuidá-la. Ele mandou, então, duas pessoas para fazerem a colheita, e nos outros anos ele pedia para que a gente colhesse, pois ele compraria. E assim fizemos. Hoje vale a pena, mas na época foi bem difícil”, pontua.
“Nesse ano, ele disse que não compraria mais, mas um comprador de Caxias do Sul fez a compra da nossa produção, embora eu já tivesse perdido vários quilos da fruta por ter ficado mais de uma semana sem colher”, relata Vânia, que também comercializa para pessoas da região. Interessados podem entrar em contato pelo número (51) 99587.5744. “No ano passado, colhi cerca de 800 quilos. Nesse ano, colhi aproximadamente 500 em razão da estiagem. Colher mirtilo me faz bem, é um lazer”, encerra ela, que também faz a comercialização da fruta congelada.
Família Izoton deve transformar a fruta em geleia
A quarta produtora de mirtilo em Anta Gorda é a família Izoton, proprietária da Agroindústria Izoton, situada na Linha Primeira. “Em 2007, um amigo veio até a nossa propriedade e nos deu a ideia de plantar mirtilo. Na época plantamos 250 pés, mas atualmente temos em torno de 150, pois vários acabaram morrendo”, destaca o patriarca Joacir Izoton.
“O mesmo amigo que nos incentivou a plantar os mirtilos, visto que no início a produção era pouca, nos deu a ideia de plantar pepinos, e assim implantamos a nossa agroindústria, que é nossa atual fonte de renda. Plantamos mirtilo, pois é uma fruta cara e vimos que podia ser uma boa fonte de renda para a família”, acrescenta.
De acordo com ele, a manutenção é fácil e não há muitos gastos. “Mas a colheita é manual, delicada e exige paciência. Cada pé produz em média 5 quilos, e a vantagem do plantio de mirtilo é que, em pouca área de terra, dá para ter um bom lucro, com baixos custos”, enfatiza, ao revelar: “Por enquanto, nós não processamos a fruta, só vendemos in natura, mas pretendemos, no futuro, fazer geleia para venda em nossa agroindústria”, finaliza. O WhatsApp para contato da agroindústria é (51) 99782.5435.
Fruta da longevidade
O mirtilo é considerado a “fruta da longevidade” por causa do seu alto teor de antioxidantes naturais e também por ser rico em vitaminas e minerais, o que favorece a prevenção de muitas doenças. Há um estudo que explica que o consumo da fruta é benéfico para pessoas que sofrem da síndrome metabólica, já que ele diminui a pressão arterial e os níveis de colesterol – fatores de risco para problemas cardíacos.
O mesmo estudo também comprovou que as antocianinas presentes no mirtilo têm a capacidade de reverter ou evitar os problemas, prolongando a capacidade visual. Também podem contribuir para diminuir a fadiga ocular, que ocorre por causa do uso de computadores, notebooks e celulares.
O estudo demonstra, ainda, que os mirtilos são eficazes para combater o diabetes, melhorando a sensibilidade à insulina e diminuindo os níveis de açúcar no sangue. Além disso, o mirtilo possui flavonoides, que contribuem para diminuir o risco de diabetes.
O mirtilo pode ser ingerido sozinho, em saladas de frutas, desidratado (a concentração de antioxidantes é até maior), com oleaginosas, em vitaminas, sucos, em calda, geleias, em bolos, mousse, tortas, sorvete e chá. Para usufruir dos benefícios, a recomendação é consumir três vezes por dia em torno de 25 gramas. O consumo in natura é mais aconselhável para não perder as propriedades nutricionais.
As principais variedades plantadas no Brasil são: Aliceblue, Bluebelle, Bluegem, Briteblue, Climax, Delite, Powderblue e Woodard do grupo Rabbiteye, e Misty, O’Neal e Georgiagem do tipo highbush.