Essa matéria é exclusiva para assinantes do jornal digital.

Já sou assinante do jornal digital!

InícioDestaqueFilhos de imigrantes italianos preservam as memórias dos antepassados

Filhos de imigrantes italianos preservam as memórias dos antepassados

 

Região celebrou os 150 anos de imigração italiana no RS com muita alegria, gastronomia e esperança

Por Divanei Mussio

Anadir Baldissareli Dorigon Mari, 83 anos, carrega no nome, no sangue e na memória heranças dos antepassados, imigrantes italianos. “Minha mãe veio para o Brasil com seis anos, com seus pais e irmãos, e foram morar onde hoje fica São Francisco, Ilópolis”. Os antepassados do esposo, Pedro Mari, têm uma história parecida. “Francesco Mari, meu avô, veio com a família e se instalou na Linha Quarta Baixa. Aqui era tudo mato; eles abriram piques, tudo a braço, e vieram aqui na Linha Quarta São Brás”, relata ele, que também tem 83 anos.

O casal puxa pela memória e relembra aqueles primeiros anos de vida, no seio da família de imigrantes, onde tudo era dificuldades, falta de recursos, inclusive de comida, e os dias, feitos de muito trabalho e labuta para conseguir sobreviver em um meio ainda pouco habitado e sem nenhuma infraestrutura. Foram essas famílias que deram origem às comunidades de Arvorezinha, que preservam mais que memórias, preservam o mesmo sentimento de amor à terra e aos que com coragem desbravaram este chão.

“Criei meus filhos na roça”

O que restou daqueles tempos foram, além das memórias, hábitos e costumes que se perpetuaram nas gerações seguintes e reverberam nos descendentes atuais. Alimentação, o dialeto, a fé, a oração e acima de tudo, o amor ao trabalho. “Criei meus filhos na roça, dentro do cesto e, quando garoava, colocava um pano por cima”, conta Anadir. O casal teve seis filhos, um em memória.

No dia a dia, eles, Pedro e Anadir, que moram sozinhos na casa, tendo perto alguns filhos, comunicam-se no dialeto que herdaram de seus pais e avós. O sentimento que alimentam em relação a eles é de orgulho e gratidão. “Orgulho! Quando conto para meus netos certas coisas que vivi quando era criança, eles nem acreditam. Tudo era muito mais difícil, mais complicado. Sabe como o trigo era batido? Um cavalo caminhava em cima e quebrava os grãos com os cascos, por exemplo”, relata Pedro, exemplificando uma das coisas que são difíceis de acreditar.

“Tendo dele bèstie, dao de mangnar e aqua”

Ao descrever o dia a dia deles, na residência localizada em meio às terras da família, na Linha Quarta São Brás, o Talian é usado ao natural. “Tuti giorni, tendo dele bèstie, dao de mangnar e aqua. Me dona fa de magnar e a cuida dea casa. I nostri fíoi i ze de star qua darente, e i vien sempre catarme, i me tende e i guita. Se volemo tanto ben”. A tradução: “no dia a dia, cuido dos animais, trato, dou comida e água. Ela faz comida, cuida da casa. Nossos filhos moram perto e nos visitam sempre, nos cuidam e nos reparam. Nos damos muito bem”, orgulha-se Pedro, ao relatar o cotidiano da família.

 

As comemorações na região

A região alta do Vale do Taquari é essencialmente de cultura italiana, com toda a sua pujança, força e presença. Quando maio chega, as entidades, as Administrações e as comunidades, unem-se e organizam grandes celebrações à memória dos avós e bisavós que vieram do além-mar.

Anta Gorda

Na manhã de terça-feira, 20 de maio, a Administração Municipal realizou a abertura da celebração dos 150 anos da Imigração Italiana no RS, com a entoação do hino italiano, no centro Administrativo. Houve a participação de autoridades da Administração, do pároco Benjamin Borsatto, da diretora da Escola ESI, funcionários e os alunos da pré-escola da Escola Municipal Girassol.

Arvorezinha

A Associazione Italiani di Cuore de Arvorezinha promoveu, a Semana Italiana, quando no ponto alto foi o Filó Italiano que aconteceu no sábado, 17, no CTG Jango Borges, em parceria com a Administração Municipal. O momento foi de partilha, como foi a vida dos antepassados: os participantes levaram pratos típicos para serem partilhados, numa grande e bela celebração comunitária, vestindo roupas inspiradas nos colonizadores. Também foram feitas apresentações artísticas, danças e música para completar o clima de nostalgia e amor ao passado.

Camargo

Em Camargo, um festival gastronômico com os mais saborosos pratos da cultura dos imigrantes, marcou as comemorações do sesquicentenário da chegada dos italianos ao estado, numa parceria entre a Administração e a Escola Estadual Pandiá Calógeras, no sábado, dia 17, dentro das comemorações do aniversário do Município. Mais que pratos saborosos e cheios de aroma, o Jantar Italiano serviu o sabor dos primeiros imigrantes e seu apreço às reuniões comunitárias.

Doutor Ricardo

No dia 15 de maio, no ginásio municipal Vagner Radaelli, ocorreu o Sarau Cultural “Raízes e Fronteiras”, dentro das programações do 19º Filó de Doutor Ricardo. O Sarau não foi apenas de apresentações de dança, mas sim uma apresentação completa, contando a história da imigração até a emancipação de Doutor Ricardo e envolveu os grupos e alunos das escolas, que se empenharam nas apresentações. Uma apresentação diferenciada e emocionante, uma noite especial e cheia de significados para a comunidade.

Um apaixonado pela cultura dos imigrantes

Roger Trevisan, natural de Serafina Corrêa, descendente de italianos, já morou na Itália, tem irmãos que moram lá, atualmente mora em Camargo, é um estudioso e um amante da cultura italiana.  Quando esteve na Itália, pesquisou e estudou os dialetos in loco e a imigração, em universidades italianas.

Em entrevista ao Eco Regional, o estudioso, que é um grande propagador da cultura dos imigrantes, exercendo várias atividades com esse intuito, falou sobre aspectos importantes para esta semana que tem o 20 de maio como data máxima.

A Grande Imigração

Nos anos de 1874, 1875, 150 anos atrás, teve início aquilo que os historiadores chamam de Grande Imigração: a vinda, em massa, de italianos para o Brasil, conhecido como o país da “cucanha”, ou seja, o país da felicidade, da fartura. “A maioria dos colonos italianos passava por dificuldades, falta de trabalho e terras e viram no Brasil, uma oportunidade de melhora de vida. Vieram muitos analfabetos, mas bastante pessoas estudadas”, explica Trevisan.

Ele segue: “o Brasil queria gente para preencher a falta de mão de obra e para promover o embranquecimento da população. Por que escolheram os colonos italianos? Porque sabiam que eram pessoas de fé, em primeiro lugar, pessoas de trabalho, de suor e que iam fazer de tudo para que aquilo desse certo.  Porém, as promessas feitas, de casas boas, comida farta e salames pendurados em árvores, no sentido figurado, não se cumpriram no país da ‘cucanha’”.

Quando chegaram às colônias, os imigrantes receberam as ferramentas, foram achar o seu pedacinho de terra que ganharam e foram trabalhar: abriram estradas, fizeram roças e construíram suas casas com o pouco que tinham, com o lema “por se vive, por se morre”, ou seja: ou se vive ou se morre.

Este é o resumo da vida dos primeiros italianos em terras gaúchas: dificuldades, sofrimento, muito suor, mas muita, muita fé, como os Mari, da Linha quarta São Brás, relataram e viveram.

No RS, a cultura é mais forte e preservada

Onde se cultiva mais os hábitos e costumes centenários, no Brasil, é no Rio Grande do Sul, porque aqui os imigrantes ficaram mais afastados dos grandes centros, das grandes cidades. “Aqui se manteve a língua e a cultura, porque estavam no meio do mato, isoladas, em meio a montanhas e vales ainda intocados. Tiveram que se unir e se adaptar”, conforme descreve Trevisan.

O Talian, língua dos imigrantes, foi oficializado em 2014, como Patrimônio Cultural do Brasil. Em Camargo, por meio de um projeto premiado em todo o País, foi ensinado às crianças há alguns anos; foi oficializado com a língua cooficial do município. “Trabalhei e trabalho em vários municípios, levando adiante essa língua e tudo o que ela traz junto, para continuarmos a cultivar nossa rica história”, explana o estudioso, sempre entusiasmado com a cultura que tanto ama. Ele também menciona os vários eventos que acontecem na região para seguir incentivando e divulgando a cultura dos imigrantes. “Os programas de rádio são muito importantes nesse contexto. Faço isso há oito anos em Camargo, o La nostra léngoa, levando nossa cultura para mais longe”, complementa. “Nosso passado precisa ser lembrado, para que, no futuro, lembrem de nós; é importante manter vivas nossas memórias, nossas histórias para que sejam conhecidas pelas gerações presentes e futuras, pois isso é importante para formação de nossa identidade”, conclui Trevisan, indicando o caminho para a região, para a sua cultura, história e memória.

Deixe uma resposta

Digite seu comentário
Por favor, informe seu nome

SIGA-NOS

42,064FãsCurtir
23,600SeguidoresSeguir
1,140InscritosInscrever

ÚLTIMAS