A expectativa é que a qualquer momento a Argentina pare de comprar definitivamente erva-mate do Brasil
A diretoria do Instituto Nacional de Erva-Mate da Argentina (INYM) decidiu limitar as novas plantações de erva-mate para evitar um excesso de oferta de matéria-prima, conforme notícia veiculada ao portal Misiones Online.
Com o objetivo de fortalecer a sustentabilidade da atividade ervateira, o Conselho de Administração do INYM aprovou um mecanismo para garantir a distribuição e o equilíbrio nas futuras plantações de erva-mate, estabelecendo que cada produtor cadastrado no Cadastro de Operadores poderá incorporar no máximo cinco hectares de novas plantações por ano. Também determinou que até 2% das áreas existentes declaradas antes do INYM podem ser implantadas anualmente. E a substituição de plantas secas ou mortas dentro de um lote já declarado será permitida, sem alterar a densidade original da plantação.
“Pretendemos que ninguém fique de fora e que o aumento do potencial produtivo seja distribuído entre todos os produtores. Cada um deles poderá plantar cinco hectares por ano, tanto um pequeno produtor quanto um maior”, ressaltou o presidente do INYM, Juan José Szychowski, para acrescentar posteriormente que a medida adotada segue um propósito altamente social e responde a um pedido explicitamente formulado pelas entidades produtivas.
O pedido ao qual ele se refere foi apresentado em 15 de junho. Por meio de nota, os produtores expressaram sua preocupação com o surgimento de novos operadores que, com forte apoio de capital, começaram a se aventurar na produção ervateira. “Grandes grupos econômicos, muitos sem qualquer relação com a atividade, compraram e plantaram grandes áreas de erva-mate, distorcendo o significado social que nossa atividade materna sempre teve”, disseram as entidades signatárias. A medida do INYM garantirá a oferta de consumo tanto no mercado interno quanto nas exportações.
Para realizar a distribuição das novas plantações, o INYM estabeleceu um esquema de controle no campo e penalidades com as quais garantirá o cumprimento da norma.
Importações de erva-mate cancheada crescem novamente e produtores dispararam um alerta
Segundo o portal Misiones Online, a produção de erva-mate na Argentina está passando por um dos melhores momentos das últimas décadas. O mercado paga preços muito mais altos do que os oficiais e o faz praticamente em dinheiro, o que permitiu que a rentabilidade do setor primário se recuperasse. Porém há um fator que preocupa os produtores cada vez mais: o crescimento das importações de matérias-primas, prática que começou no final de 2019 e atingiu a média no ano passado.
Durante todo o ano de 2020, mais de 30 mil toneladas foram importadas, a maioria do Paraguai, mas também do Brasil, para as quais foram pagos pouco mais de 34 milhões de dólares, dinheiro que poderia ter sido deixado nas mãos de produtores missionários e correntinos.
Levando-se em conta que no mesmo ano a indústria argentina de erva-mate enviou 311 mil toneladas entre as vendas para o mercado interno e as exportações, a matéria-prima importada representou pouco menos de 10% da produção total de erva-mate processada. Ou seja, de cada 10 quilos de erva vendidos por empresas argentinas, pouco menos de um quilo foi feito com matéria-prima paraguaia ou brasileira. A expectativa é que a qualquer momento a Argentina pare de comprar definitivamente erva-mate do Brasil.
A mesma prática foi mantida este ano. No primeiro trimestre, foram importadas 5.7 mil toneladas por US$ 7,4 milhões, o que representou um crescimento de 91% em relação às importações no mesmo período do ano passado. O pico de compras de erva-mate do Brasil e do Paraguai foi registrado no terceiro trimestre do ano passado, quando 13.644 toneladas entraram na Argentina. Tudo de acordo com dados da AFIP coletados pelo Indec.
A razão pela qual a indústria ervateira importou erva-mate cancheada após cerca de seis décadas é a escassez, causada em grande parte pela estiagem persistente, mas também pela baixa produtividade de muitas plantações, especialmente nas áreas central e sul da província.
A qualidade do material importado é controlada pelo INYM, que também verifica a qualidade do produto produzido. Mas o que realmente preocupa os produtores não é a qualidade do produto importado, mas o efeito que as importações geram na relação oferta/demanda de matérias-primas, que em última análise é o que acaba definindo os preços da folha verde e da cancheada.
O preço oficial da folha verde atualmente é de 24,39 pesos por quilo, mas o mercado está pagando até 42 pesos se o material for de boa qualidade. Os próprios produtores argentinos reconhecem que sua rentabilidade é boa, mas entendem que poderia ser maior sem importação. Eles também temem que o contexto mude e a inflação eventualmente evaporará sua rentabilidade.
Veja matérias publicadas pelo site La Nacion e Misiones Online https://www.lanacion.com.ar/economia/campo/regionales/por-primera-vez-en-20-anos-habra-un-limite-para-las-nuevas-plantaciones-de-yerba-nid18062021/?fbclid=IwAR1CwY9dnXV-Rb9zvGnJEEpPunTpIQ8bAVk_6paH4ZluXyUG-IHUsHlmgUw
https://misionesonline.net/2021/05/06/importacion-de-yerba-mate/
OPINIÃO
Coordenador técnico do Programa de valorização de Qualidade da erva-mate, Ilvandro Barreto de Melo faz uma análise do cenário ervateiro
Segundo Melo, a dependência da Argentina por erva-mate importada nos primórdios da história comercial do mate foi muito grande, até que a implantação de grandes áreas de cultivo nesse país, o tornaram independente e o maior produtor mundial.
Passado esse período de dependência a compra da erva-mate brasileira feito pelas empresas argentinas, passou ser apenas pontual e em proporções muito pequenas sem dependência extrema.
A redução na produção pela estiagem, problemas fitossanitários dos ervais argentinos em função da doença mal da teia, o incremento de mercado, a redução de produção de alguns ervais em renovação, a necessidade de aportar estoque, desequilíbrio entre a oferta e a demanda interna, embora a quantidade de erva-mate estrangeira adquirida seja pequena frente a nacional, somados ao fator cambial, colaboraram para essa mudança de estratégia no segmento ervateiro argentino.
A tendência é que haja dificuldade em se manter uma compra tão ativa por longo período de matéria prima brasileira como visto entre 2019 e 2021, sem considerar que a intromissão do atual governo daquele pais na política agrícola setorial Argentina é bastante expressiva, hajam vistos os sinais ocorridos na carne e agora na erva-mate.
Em resumo, as empresas Argentinas continuarão comprando erva-mate brasileira e paraguaia, até o instante que o câmbio seja favorável e a erva-mate importada sirva para contrapor a elevação desordenada da folha em território argentino. Ou seja, se o negócio for bom, não tem porque parar.
Enquanto isso no Rio Grande do Sul, Estado que não consegue produzir quantitativamente a erva-mate demandada para o seu consumo interno e a exportação, os ervais lentamente vão se recuperando do forte estresse provocado pelas longas estiagens das duas mais recentes safras. Essa recuperação fisiológica, necessária para as árvores voltarem a produzir normalmente, manterá a produção gaúcha abaixo das 310 mil toneladas de folhas produzidas em safras normais.
As áreas implantadas recentemente embora em quantidades expressivas, em função das mesmas estiagens, tiveram grandes perdas e replantios serão necessários.
O entrave para os gaúchos é que ainda se encontram na mesma condição vivida pela Argentina, em tempos idos, com grande dependência de matéria prima importadas de Santa Catarina e do Paraná para atender sua demanda mercadológica. Em curto e médio prazo isso até é aceitável, mas no longo, poderá se tornar perigoso e insustentável.
A revisão estratégica de como os gaúchos irão tratar sua dependência ou independência produtiva da matéria prima de sua árvore símbolo e para a sua bebida típica é uma questão de primeira ordem, para o amanhã. Embutidos nisso estão às questões mercadológicas, econômicas, sociais, simbólicas e da própria identidade do gaúcho. Se desligar do bairrismo e precisar aceitar, quem sabe no futuro, cevar seu chimarrão, bebida oficial, com erva-mate produzida em terras distantes, de além-fronteiras.