Sem reajustes há pelo menos cinco anos, preço disparou e pegou mercado de surpresa
Por Fabiana Borelli
Nas últimas semanas o preço da carne bovina no Brasil disparou, são aumentos praticamente diários, estima-se que esse aumento chegue a 30% em média, mas para alguns cortes chegou a mais de 60%.
O aumento das importações para China é um dos principais fatores, porém segundo o setor frigorífico e produtores da região, existem outros fatores importantes que levaram a essa disparada dos preços.
O médico veterinário e pequeno produtor de gado de corte em Nova Alvorada, Daniel Borelli, sustenta que não está havendo aumento e sim um reajuste dos valores. “Na verdade não está tendo um aumento de preço, o que está acontecendo é um reajuste, pois em cinco anos o mercado reajustou 10% o valor da carne, isso é muito abaixo do que foi a inflação, o setor na verdade vinha de uma queda muito grande de valor, inclusive, com prejuízo econômico para os produtores”.
Fatores que
influenciam
Para Borelli o aumento das importações é apenas um dos fatores que levaram ao aumento do preço da carne em todo o País. “A alta do preço da carne é um somatório de fatores, o primeiro deles foi a diminuição do plantel de bovinos, especialmente no Rio Grande do Sul, era uma economia muito apertada para produtores de bovinos, não havia lucro, os produtores acabaram alugando as áreas para a produção de grãos, assim o número de matrizes de reprodução diminuiu. Os animais foram concentrados em confinamentos, o que aumentou ainda mais o custo, e diminuindo o plantel de venda. Outro fator destacado é a venda principalmente para a Turquia de animais vivos que vem ocorrendo a pelo menos três anos, os animais são vendidos antes de se tornarem adulto, e essa carne deixou de ser comercializada aqui, ou seja, hoje a oferta é pequena. Somado a isso a economia no País não está favorável, e isso fez com que o brasileiro não consumisse muita carne bovina, optando por aves e suínos, assim o mercado ficou deflacionado não permitindo que os preços subissem.
Para piorar tudo isso houve uma epidemia no plantel suíno na China, a grande maioria dos suínos era de pequenos produtores que produziam basicamente para o consumo, sem essa produção acabaram migrando para a cidade para buscar um meio de subsistência, com isso deixaram de produzir e passaram a serem consumidores, aumentando a demanda, o que resultou em falta de carne na China e assim eles começaram a comprar mais, diminuindo ainda mais a oferta aqui no Brasil. Então são basicamente dois os principais fatores que levam a esse aumento, a diminuição da oferta e o segundo é a economia mundial que tem mais dinheiro que nós”, explica.
Segundo o produtor durante os últimos quatro a cinco anos os produtores receberam um valor muito baixo pelo quilo do boi vivo, ele acredita que agora começarão a ter um melhor ganho com a produção. “O preço do boi vivo girou entre R$ 4 e R$ 5,50 o peso vivo de animais para abate, hoje já está próximo a R$ 6, e acredito que vai aumentar mais. No entanto o produtor de bovinos foi sacrificado durante muitos anos, e infelizmente não havia uma força dizendo que precisava salvar o produtor de bovinos, agora virou assunto porque está atingindo a todos, quando atinge o consumidor o levante é maior”, destaca.
Borelli diz que analisando o mercado não acredita que o preço da carne diminua a curto prazo. “Não há dúvida nenhuma que a curto prazo não vai baixar o preço da carne, ao contrário deverá aumentar ainda mais. Os produtores locais já estão percebendo isso, os donos de animais para abate já estão recebendo com esse reajuste, propostas de negócios futuros o que não havia e hoje podem escolher para quem vender, para o que tiver a melhor proposta. Eu penso que um pouco disso a indústria vai pagar agora pelo que explorou os produtores, porque no momento que estava em baixa o preço do bovino na Gôndola havia uma desproporção, o consumidor já pagava mais caro do que deveria, pois a indústria sabendo da disponibilidade de carne que havia, pagava o mínimo possível para o produtor e praticava uma margem alta e o consumidor já pagava um valor a mais do que deveria”, pontua.
“Para o produtor esse movimento de alta é positivo, pois é tanta falta de animais no mercado que mesmo tendo poucos animais ele vai vender, no passado isso não ocorria, quem tinha um plantel pequeno tinha dificuldade para venda, hoje mesmo quem tem cinco, seis animal vai vender e podendo escolher para quem vender. Uma coisa é certa, o preço não vai diminuir tão fácil, porque a curto prazo não tem como aumentar a produção, a estratégia de produção no Brasil para 2020 não deverá aumentar mais do que 5% do plantel nacional”, salienta.
Mudanças
Da mesma forma, Ari Faccio, do Distrito de Cadorna, em Nova Alvorada, destaca que para o produtor esse reajuste é muito positivo, pois há tempo vinha arcando com altos custos de produção e com um lucro muito baixo. “Eu crio gado há muito tempo, e estava muito difícil manter a produção, pois há seis ou sete anos que o preço estava baixo, esse aumento deveria ter vindo antes porque nós produtores recebíamos um valor baixo pelo quilo do boi vivo, se fôssemos colocar tudo na ponta do lápis acho que no máximo empatávamos na hora da venda devido aos altos custos de produção, agora acho que está mais justo o valor que está sendo pago para nós, claro que o consumidor vai sofrer, não vai ser fácil consumir carne, mas nós pagamos essa conta por muito tempo”, destacou.
Faccio também comenta a falta de gado no mercado. “Hoje o meu plantel é de 150 cabeças e todo ano vou para a fronteira comprar o gado para depois criar, esse ano tive muita dificuldade, pois falta muito gado, muitos produtores pararam de criar e arrendaram suas terras para o plantio de soja, e acredito que isso também influencia no aumento do preço, pois no Rio Grande do Sul tudo diminuiu a produção”.
Frigoríficos
O vendedor Leandro Caproski que trabalha com o ramo de carne há mais de 20 anos também acredita que vários fatores influenciam o alto valor da carne. “Eu trabalho nesse ramo há mais de 20 anos, já tive um frigorífico e há 15 anos sou representante de outro, eu vejo que são vários os fatores que levaram a essa situação, tudo começou com o êxodo rural, são poucos jovens no interior, muitos produtores que criavam no campo nativo para a criação do gado substituíram pela soja, e isso quebrou a cadeia produtiva, ou seja, há falta de gado no mercado. O aumento das exportações só agravou um quadro que já existia, mas como o consumo era mais interno ainda não sentíamos essa falta”, frisou, ao enaltecer: “Para você criar o gado precisa de um espaço grande e o lucro era pequeno, você tem que ficar dois ou três anos criando um boi para ele te dar retorno, já o soja é anual e isso fez muitos produtores migrar de cultura”, explica.
Segundo Caproski enquanto frigorífico há uma expectativa que o mercado da carne vai continuar assim por um bom tempo. “A nível de frigorífico percebemos que a demanda está cada vez maior. O nosso Estado é o que mais consome carne no País, por outro lado a diminuição do gado gerou pouca oferta e essa epidemia na China que fez as exportações aumentarem, isso tudo acreditamos que vai fazer o mercado da carne se manter assim por um bom tempo, os preços ficarão altos para o consumidor final”.
Caproski salienta que para o produtor esse mercado está interessante, mas que para os frigoríficos e principalmente para os consumidores será uma fase muito difícil. “Os frigoríficos já vêm há algum tempo trabalhando com margens menores para poder se manter no mercado, agora com esse aumento do boi vivo eles diminuirão ainda mais. Para os grandes que exportam é sim um ótimo negócio, pois eles têm margem para as negociações, mas os pequenos vão sentir muito essa crise, os produtores hoje têm o poder de barganha, eles vão poder escolher para quem vender e os pequenos frigoríficos terão dificuldades de comprar. Da mesma forma o consumidor final vai sofrer, uma vez que os custos serão repassados, acredito que o consumo d e carne bovina vai diminuir e as pessoas vão passar a consumir mais carne de frango ou suínos”, salienta, ao concluir: “O problema não é só no Rio Grande do Sul, o que nivelava o preço da carne no estado era o Mato Grosso e com o aumento de demanda para exportação eles hoje têm o preço mais alto que o nosso, então aquela carne que vinha e equilibrava o mercado não vem mais”.