Produtores ligam sinal de alerta com a diminuição de mais de 6% no valor pago pelo litro
O sinal amarelo está, novamente, aceso na cadeia produtiva do leite. Depois de um período em que o produto teve expressiva valorização, especialmente, após a realização da greve dos caminhoneiros, chegando a registrar aumento de 20% em determinadas partes do país, o valor está em queda e a tendência, de acordo com especialistas de mercado, é que continue assim. A perda nos últimos três meses já supera os 6% na propriedade. A principal explicação, de acordo com o secretário executivo do Sindicato da Indústria de Laticínios (Sindilat/RS), Darlan Palharini, é o excesso de produção e a baixa no consumo.
A lei da oferta e da procura, como é conhecida no meio comercial, faz com que quando há muito produto disponível para os clientes, a tendência é que ocorra uma disputa no preço para conseguir despachar o estoque. Com isto, baixa o valor pago pelo consumidor final e esta consequência chega até a propriedade. “Como praticamente não temos exportação de leite, e este é um produto de vida curta, quase metade acaba virando UHT, que deve ser consumido em até quatro meses, o setor acaba sendo pressionado pelo mercado”, explica.
Os reflexos já são sentidos na propriedade de Alírio Canton, em Linha Dossena, Anta Gorda. Ele e a esposa trabalham há mais de 50 anos com a produção de leite e gado de corte, se deparando com incontáveis momentos de incerteza sobre o que irá representar a produção no orçamento familiar. “Na hora em que o preço está lá em cima, dá para ganhar bem, mas quando baixa chega a pagar para trabalhar. Isto desmotiva, mas não podemos desistir, porque o nosso ramo é assim”, afirma.
Com 35 vacas de leite em produção, ele acredita que um preço mediano seria melhor do que a elevação mais radical, percebida em determinados momentos do ano. Em 2018, chegou a superar R$ 1,55 o litro na propriedade. Agora, diz Canton está em torno de R$ 1,14. “Se tivesse ficado em R$ 1,30, seria bem melhor”, afirma. Entende que a manutenção poderia garantir o custeio e dar boa lucratividade. “Hoje não tem como não pensar na qualidade, então o custo se eleva, além disto, as vacas estão mais delicadas do que em outras épocas”, explica.
Tendência
Darlan Palharini conta que o Sindilat está trabalhando com o governo federal meios para conseguir colocar o produto brasileiro no mercado internacional. Mesmo as perdas sendo bastante sentidas nas propriedades rurais, ele afirma que as empresas tiveram uma redução ainda maior. E o problema é que estas reduções devem continuar sendo sentidas por, pelo menos, mais três meses.
A tendência, seguindo o mesmo desempenho dos outros anos, é que em fevereiro este desempenho negativo comece a virar no gráfico custo de produção/rendimento. Enquanto isto, o consumidor deve encontrar o litro de leite UHT (o mais comum, encontrado, geralmente em caixinhas nas prateleiras dos supermercados) a até R$ 1,99. “Ficando abaixo de R$ 2 para o consumidor é preocupante, porque a média deve sofrer outras baixas ainda mais significativas.”
Sugestão
Uma ideia que foi dada ao governo federal é instituir para o setor o Prêmio de Escoamento de Produção (PEP), que já é feito com o arroz e representa subsídio em alguns pontos da produção, como no frete, o que reduz o custo do produto nacional e o torna mais competitivo no mercado internacional.
A representatividade da logística no custo Brasil é bem significativa. Como a produtividade nacional é menor do que a dos países vizinhos, a coleta do material demanda bem mais tempo e distância. Palharini conta que uma propriedade brasileira consegue, em média, 50 mil litros por ano, enquanto no Uruguai chega a 500 mil e, na Argentina, 1 milhão de litros por ano. “A produção média diária são 173 litros, o que exige que um caminhão percorra muitas propriedades até que esteja cheio”, conta.
Com a diminuição do custo de produção também poderia ser equilibrado, ainda mais, o destino do leite. Antes, cerca de 60% virava UHT, que fica, no máximo 30 dias em estoque nas indústrias. Este percentual caiu para 40%, dando maior espaço para a produção de leite em pó, que tem durabilidade de até um ano, permitindo maior estoque e controle de mercado.
O problema chamado importação
A compra de leite uruguaio e argentino sempre foi um entrave para o crescimento do mercado nacional. Atualmente, o principal motivador para adquirir o produto dos países vizinhos já não existe. A diferença no valor do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) já não existe. “Ainda há o inconveniente de que eles conseguem fazer um preço mais atrativo do que o nosso, o que ainda é um atrativo, mas já não tem mais o mesmo peso que tinha”, afirma Palharim.
Sobre este assunto, em entrevista à Globo Rural, na sexta-feira, 23, a futura ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS), disse que o Mercosul tem que ser revisto, em especial, questões como a entrada do leite do Uruguai no Brasil. Ainda no governo de Michel Temer houve uma investigação para ver a origem do produto que chegava, em uma suposição de que os uruguaios apenas estariam intermediando a transação comercial – o que não foi comprovado.
A ministra entende que com o preço melhor fora do país, a tendência é que se compre e o produtor nacional acaba deixando o setor. Com a crise no último ano, acredita-se que mais de 25 mil pessoas deixaram a cadeia produtiva. Só no Vale do Taquari, que fomenta a criação do selo Vale dos Lácteos e é um dos polos de produção no Rio Grande do Sul, mais de mil famílias abandonaram.
