Em época de produção de silagem prejudicada, redução do valor do leite alcança 20%, em relação ao período de inverno
O milho verdeja as propriedades e se aproxima do período para colheita para a produção de silagem, uma forma de reduzir o custeio na alimentação dos animais. A época é de colocar os equipamentos na lavoura e garantir qualidade para que isto se reflita no leite, posteriormente, fazendo com que aumente a o valor pago, tendo em vista o bom produto que será produzido, além, é claro, de manter e elevar a quantidade. O excesso de chuva, no entanto, tem prejudicado o ingresso de máquinas na lavoura e já começa a preocupar aqueles que sentem no bolso a instabilidade de um mercado vulnerável: a cadeia leiteira.
A preocupação não é em vão. A época costuma ser de queda de preços, porque há produção sem que o consumo acompanhe, além disto, o produto não alcança patamares desejados para a exportação, tanto em qualidade, quanto em competitividade, especialmente, se comparado com o que é comercializado por países vizinhos, como o Uruguai. Desta forma, o Brasil produz bastante, consome pouco e ainda importa leite em pó para garantir boa relação comercial com os vizinhos do Mercosul. Nesta engrenagem econômica, quem mais sofre é o produtor.
Não é preciso andar muito para encontrar quem está descontente com esta política em que pouco se consegue fazer uma previsão de rendimento. Na propriedade de Airto Cutti (56), em Linha São Brás, Anta Gorda, a situação é sentida na pele. O leite é o principal produto que garante rendimento para a família. Em uma área de 40 hectares, eles conseguem garantir o sustento e ainda fazem investimento, mas para isto acabam tendo que fazer “milagres” com a variação do valor pago, seguindo a tendência do mercado.
Os Cutti fazem parte de um grupo intermediário de produtores. Mesmo com a redução do valor pago pelo litro, chegando a 20% a menos, em relação ao período em que alcançou o pico, no meio do ano passado, ainda está com um valor considerado satisfatório para a manutenção da família. “O problema é que desta forma não se consegue investir. Se fosse um valor médio, que não subisse tanto, mas que não baixasse tanto, também, seria melhor”, afirma Marcos Cutti (24), o filho que cuida dos números e deve garantir a sucessão na propriedade.
Sem poder revelar o valor recebido, nem a empresa a quem fornecem o produto, por uma questão de reserva de mercado e confidencialidade, eles afirmam que conseguem ganhar até R$ 0,20 a mais do que produtores que atuam com outros laticínios. “É uma diferença bem grande se for pensar em quantidade de leite produzido”, destaca. A propriedade conta com 56 vacas lactantes, o que representa uma produção de 36 mil litros por mês, resultado conseguido a partir da criação por meio de confinamento, em um galpão construído recentemente – um investimento de cerca de R$ 200 mil feito para garantir maior crescimento. O espaço é automatizado, fazendo com que o alimento seja direcionado para os animais de forma mecânica.
“Seria interessante um apoio maior do Poder Público para incentivar a produção”, diz Airto. Ele conta que o município auxiliou na escavação da vala, ao lado do novo galpão. Lamenta que, no último ano, a prefeitura não tenha feito a distribuição do auxílio, que é garantido por meio de dois projetos de incentivo a investimentos e produtividade. A Administração Municipal optou por protelar este repasse, tendo em vista que o valor para a terraplanagem de um condomínio avícola, em Linha Quinta, superou a expectativa, ampliando de R$ 500 mil para R$ 1,5 milhão. O secretário da Agricultura, Joelmo Balestrin, destaca que este recurso não deixará de ser pago, apenas foi protelado para este ano. “Não vamos deixar de pagar os incentivos para os produtores”, reforça o prefeito Celso Casagrande.
Balança comercial
Apesar de ter tido uma redução em 2018, em relação aos anos anteriores, a importação do leite em pó continua sendo um problema para quem é produtor no Brasil. “Querem garantir uma boa relação de negócio com estes países, daí importam o leite do Uruguai, mas isto acaba beneficiando só lá para cima (outros estados) e prejudicando quem produz leite”, exemplifica Marcos. Isto faz com que a produção brasileira encalhe e a lei da oferta e da procura volte a preponderar: maior quantidade de produto, menor o preço.
Airto acredita que deveria ser incentivada a exportação do leite nacional. “Se o Brasil conseguisse exportar seria bem diferente, porque daí conseguiríamos garantir a comercialização e um preço melhor”, acredita. O secretário executivo do Sindicato da Indústria de Laticínios (Sindilat/RS), Darlan Palharini, corrobora com o pensamento de Airto. “Como praticamente não temos exportação de leite, e este é um produto de vida curta, quase metade acaba virando UHT, que deve ser consumido em até quatro meses, o setor acaba sendo pressionado pelo mercado”, explica
No último ano, o Brasil importou, 96,7 mil toneladas de leite em pó. Conseguiu exportar, até outubro, 17,4 mil toneladas de lácteos, sendo apenas 7,8 mil de leite em pó. Este produto vai para cerca de 50 países. O Chile foi o maior comprador, seguido por Trinidad e Tobago e Rússia. Até 2017, o principal cliente dos laticínios brasileiros era a Venezuela.
A expectativa para 2019 é de que o preço, no mercado exterior, tenha significativa retração. A tonelada, que já chegou a custar US$ 3,3 mil, em janeiro de 2017, não passa dos US$ 2,7 mil, neste ano. A previsão é de que vá se mantendo em torno de 20% a menos do que foi pago em 2018.

Expectativa é de evolução a partir de março
O ciclo se repete em todos os anos. No período de calor, a produtividade mantém-se e o consumo reduz sensivelmente. Isto faz com que seja reduzido o valor pago ao produtor, que vê o custo da propriedade se manter e até subir, enquanto aguarda o pagamento pelo que comercializa, que costuma ser feito 45 dias pós a entrega. “É preciso uma organização muito boa e um planejamento para conseguir garantir o produto com qualidade, sem prejudicar o andamento da propriedade”, enfatiza Marcos Cutti.
O Sindilat, assim como a família Cutti, acredita em uma melhora nos valores, a partir de fevereiro. No próximo mês, a tendência é de que seja bem pouco perceptível, sendo maior significativa a partir de março, até atingir o ápice em julho.
A variação também pode ser percebida nas prateleiras dos supermercados. As grandes redes conseguiram baixar de R$ 2 a caixa do leite UHT. “Ficando neste valor é preocupante, porque a média acaba sofrendo baixas ainda mais significativas”, afirma Darlan Palharini, do Sindilat. Marcos percebe que houve certa recuperação do valor pago pelo consumidor no mercado, mas que isto ainda não chegou à propriedade.
Pesquisadores do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, que fazem levantamento sobre o valor médio pago em diferentes partes do país, já havia projetado a baixa para janeiro. Também acreditam que fevereiro deve ter cotações melhores, sinalizando certa recuperação. Isto, porque a oferta não está se elevando de forma intensa e a disputa das empresas por matéria-prima pode elevar os valores do produto. Passa a ter maior peso, quando o leite tem sua finalidade definida. Como a produção dos Cutti é direcionada, basicamente, para a fabricação de queijo, eles mantêm o leite com características próprias para isto, o que faz com que tenha valor agregado.
Melhor
Por mais que possa apresentar recuperação, a partir do próximo mês, os pesquisadores acreditam que deva superar 2018, mas ficar abaixo de 2017, no mercado interno. Uma luz no fim do túnel, no entanto, pode ser entendida como boa notícia. O mercado trabalha com a expectativa de crescimento da economia, com a inflação controlada, e isto reflete no consumo.
Assim, mesmo que com projeção de 2,5% de elevação, o que é considerado pouco, o brasileiro deve ter aumento no poder de compra, ajustando a questão da oferta e da demanda, o que diminui a possibilidade de preços despencando, principalmente, no primeiro trimestre.